sexta-feira, novembro 22, 2024
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A crise das democracias

As democracias contemporâneas não conseguem sustar as crises que solapam suas instituições. Aqui e alhures, a democracia representativa atravessa um corredor de turbulências e tensões, que se espraiam nos costados de tesouros nacionais depauperados, precário crescimento dos PIBs tanto de países desenvolvidos quanto de territórios em fase de desenvolvimento, como o Brasil, e multiplicação geométrica das demandas sociais.

Os sistemas democráticos, como bem lembra o filósofo Norberto Bobbio, infelizmente têm falhado no cumprimento das promessas que integram seu escopo: a justiça para todos; a educação para a cidadania; o combate ao poder invisível, que age nas sombras do Estado; a transparência dos governos; enfim, a igualdade de direitos para todos.

O socialismo clássico ruiu com a queda do muro de Berlim. Quem esperava a revolução vitoriosa do proletariado viu seus sonhos frustrados. Os últimos bastiões que ainda tentam preservar uma ordem autoritária, sob o signo de slogans rotos do socialismo, contemplam com um olhar meio de lado a emergência do tal capitalismo de Estado, designação para a modelagem política que se enxerga na China, país que deverá, dentro de alguns anos, despontar como a maior economia do planeta.

A arrumação ideológica mais conveniente desses tempos de grandes carências ainda é a social-democracia, que abriga velhas Nações europeias e países de outros continentes, que experimentam integrar os corpos dos mercados abertos aos braços poderosos do Estado, fazendo com que este mantenha certo controle sobre as tarefas da livre iniciativa.

Pois bem, a crise assola todas as democracias, da mais afinada aos parâmetros do neoliberalismo à mais compromissada com o figurino social-democrata. E o ponto de curva de todos eles está nas economias sob depressão. Que não conseguem alcançar patamares para suportar as crescentes e prementes demandas das populações. Ainda mais quando os governos se obrigam a incorporar em seus budgets as despesas com a expansão de movimentos migratórios. A par da moldura carcomida das economias, a crise passou a incorporar novos ingredientes: escândalos, corrupção deslavada.

Blocos e países entraram em convulsão: a débâcle econômica irmanou-se a uma crise ético-moral. Os efeitos começam a se mostrar. Na Europa, surtos de nacionalismo e separatismo se apresentam na França, na Grécia, na Espanha, no Reino Unido, na Escócia, na Áustria, na Ucrânia, entre outros.

Na América do Sul, a onda nacionalista sacode o Peru, o Equador, a Bolívia, para não falar da Venezuela, onde o bolivarianismo assume a posição de luta de classes que encaminha o país ao despenhadeiro. A Argentina vive uma quadra de caos político. E aqui por nossas plagas, a economia também dá o tom da desconfiança. O desânimo se avoluma, dando lugar à reversão de expectativas. Os escândalos do mensalão e do petrolão arrematam o cenário de deterioração geral.

Mas até no pântano nascem flores. A crise propícia mecanismos de sobrevivência de atores e instâncias. Novos partidos surgiram e outros deverão ser criados. Vemos uma tendência forte em direção ao conservadorismo, o que pode sugerir um giro pela direita; no contraponto, a organização dos exércitos à esquerda e sua maior influência no segundo mandato da presidente Dilma. Ou seja, o palco ideológico será ocupado por dois grupos, que ocuparão suas margens. E, no centro, por um contingente de descrentes, incrédulos, indignados e dispostos a olhar de longe a cena política.

Esse é um dos sinais que a crise de nossa democracia deixa ver.

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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