O pequeno Thiago sempre foi apaixonado por futebol. Tinha a bola como uma amiga. Uma parceira inseparável. E como o símbolo de um sonho. O menino nascido em Mogi Mirim, mais precisamente no bairro Maria Beatriz, na Zona Sul, queria ser jogador de futebol. Quem não queria. Nasceu em meio a uma geração extraordinária de futebolistas brasileiros como Zico, Sócrates e Falcão.
Vislumbrava repetir as cobranças de falta excepcionais do Galinho de Quintino? Ou os passes excêntricos, com o calcanhar, que o Doutor dava na bola? O sorriso de Thiago brilhava quando falava em futebol. Mal sabia aquele serelepe garoto qual a realidade que estava desenhada para a sua vida. E que a bola, aquela eterna companheira, seria importante para salvá-lo de uma vida que, para muitos, parece um pesadelo distante.
Thiago Roberto de Oliveira cresceu em uma Mogi Mirim que via a sua agremiação profissional decolar após anos como coadjuvante em competições intermediárias. O Sapão da Mogiana estava em alta, sobretudo após o acesso de 1985. Era um clube de primeira divisão. Era o que Thiago e outros meninos queriam. “Fiquei seis messes no Mogi Mirim. Fiz a categoria de base, de 1997 para 1998. Nós que éramos gente de Mogi Mirim não tínhamos muito valor. Acho que o único que ficou e depois desistiu foi o Paulão, que joga o Amador aqui em Mogi pela Vila Dias”, contou Thiago a O POPULAR.
Neste período ele já havia deixado o Maria Beatriz para morar na Vila Dias. Aos poucos, a chama pelo profissionalismo no futebol foi se apagando. Precisava trabalhar, conseguir o ganha-pão. Seguiu ofícios bem distantes do futebol. Mas não ficou longe da bola. O Amador surgiu como alternativa para permanecer perto do esporte tão amado. Entre 2000 e 2002 foi campeão consecutivo do antigo Campeonato Interbairros. Vestia a camisa do Família Silva. Depois, em 2003 e 2004, jogou no Delta. Em 2005, atuou pelo Colorado e, em 2006, foi jogador do América.
A atuação não se restringia aos campeonatos ‘da cidade’. Também ganhou destaque na Copa Rural, principalmente em 2007, quando defendeu o Kazume. No ano seguinte, com o time da Pedreira Santo Antônio, foi campeão invicto e chamou a atenção de uma figura importante em sua carreira, Galileu Araújo, comandante do Pombal.
Em 2009, Thiago venceu mais uma vez a competição e ainda terminou como artilheiro. Levantou a taça novamente em 2010 e 2011 com o Pombal. O menino que sonhava com o estrelato em um Maracanã ou Pacaembu não foi tão longe como pensou, quando criança. Mas, na sua cidade, era cada vez mais respeitado. Em 2012, jogou a Série A do Amador pelo Sant’Ana. Com habilidade, fintava os rivais. Mas não foi capaz de driblar um adversário que parecia inofensivo: as drogas.
O vício
A queda de Thiago foi abrupta. O único contato com algum tipo de droga era com uma habitual para muita gente. A bebida alcóolica. Dela caminhou de forma cega para um desfiladeiro. “Conheci as drogas saindo com pessoas que pareciam amigos. Acabei experimentando, acabei usando”. No começo, o contato era apenas de final de semana. Depois, a frequência aumentou.
Não demorou para se tornar um usuário contínuo de cocaína. A maneira como a droga destruiu tudo o que havia construído foi assustadora. Tanto que em 2013 nem entrou nos campeonatos. Estava desanimado. Tomado por um vício que ainda parecia não ser mais forte que ele. Em 2014, até voltou a jogar e foi campeão pela Vila Dias, na Série A.
Só que ali, Thiago aliava aquela brincadeira de criança com o pior lado que já conheceu. No ano seguinte, o lado nebuloso venceu e largou de vez o futebol. Estava perto do caos, algo visível para quem o amava. A esposa, Ana Katarina, começou a pedir a Thiago que se internasse. Ao invés de ouvir a fiel parceira, caiu em um mundo ainda mais danoso e ali conheceu o crack. “Cheguei onde não imagino ninguém chegar”.
O calvário
No pior momento de seu vício, Thiago ficava mais nas ruas que em seu lar. Vivia sujo, largado. O pai de família, craque de bola, menino sonhador, se tornou aquelas figuras que tanto ignoramos ao ver pelas ruas. Seres humanos à margem da sociedade, que parecem não ter uma história. Uma vida.
Thiago tinha nome. Não era um indigente. Mesmo que estivesse desenhando um capítulo sombrio em sua vida.
Passava dias sujos. Muitas vezes uma semana toda. Até voltava para casa. Tomava banho e retornava ao caos. Morou por tempos em um terreno baldio na Vila Dias, uma espécie de ‘cracolândia mogimiriana’, conhecido popularmente como ‘pasto’. “Largava esposa e filho para usar. Vendi minha moto, uma Titan, só para comprar droga. Fui ameaçado de morte. Cheguei no fundo do poço”.
A ressurreição
Muitos homens e mulheres encontram o fim da linha sem a chance de um recomeço. Quando abandonado por aqueles que ama, o percentual de sobrevivência ou de reinício se aproxima do zero. Thiago jamais foi deixado para trás. Os pais, a esposa, os filhos. As pessoas que amava sempre acreditavam que o menino de sorriso espontâneo estaria de volta. “Hoje agradeço a Deus e a minha esposa por estar do meu lado. Nunca abandonou. Foi no pior momento da minha vida que fui apresentado à clínica CRO”.
A Comunidade de Restauração Orebe, mais conhecida pela sigla citada por Thiago, fica no bairro Anhumas, na região rural de Estiva Gerbi. A esposa, Ana Katarina, frequentava a igreja comandada pelo pastor Alex, na Vila Dias. Foi a primeira ponte para a reabilitação. Depois, os pastores Carlos Andret e Talita se fixaram como colunas firmes para o retorno de Thiago à vida em sociedade. “Foi ele (Andret) quem me levou para o CRO, que me visitava”. Thiago deu entrada na CRO no dia 17 de outubro de 2015. O começo não foi fácil.
“A gente vinha em uma rotina de festas mesmo usando drogas. Aí você depara que está internado. É duro. Não à toa que saí da clínica – no dia 30 de março de 2016, fiquei um tempo bom e depois voltei a usar. Aí fiquei duas semanas na rua e voltei para a clínica”. Desde o momento que trata como “verdadeiro encontro com Deus”, está firme. Mas, como diz usando uma expressão comum para reabilitados, “sempre em vigilância”.
A velha amiga
Na CRO, Thiago reencontrou a parceira de infância. A amiga de jornadas épicas nos gramados de Mogi Mirim. “Foi lá que voltei a praticar o futebol. Graças ao pastor Ivair, que conversava comigo para que eu voltasse a jogar”. O contato com a bola foi fundamental. Thiago ressalta que a atividade física lhe deu não apenas lazer e entretenimento em meio ao tratamento, como também foco para seguir firme em seu propósito de retomar a vida. No ano passado, a CRO estreou em um campeonato de futebol. O time do pastor Ivair se inscreveu na Copa Airton Gallis de Estiva Gerbi e a camisa 10 não poderia ser envergada por outra figura.
Era de Thiago a missão de orquestrar a equipe. Em um dos jogos, brilhou e anotou os gols de seu time em um empate por 2 a 2. O título não veio. A equipe não avançou sequer à segunda fase. E tudo isto era um mero detalhe para uma agremiação formada por tantos vencedores da vida.
“A CRO é a minha segunda casa, foi onde tudo mudou na minha vida”. Ao falar sobre uma trajetória que para muitos é mera ficção, história de novela ou enredo de um livro de drama contemporâneo, Thiago não conseguiu segurar as lágrimas. “Passa um filme na minha cabeça”. Hoje, expõe a sua experiência a pessoas que vivem o mesmo problema que ele enfrentou. Ou, como prefere dizer, que ainda enfrenta. “Não importa a religião. Importa você buscar Deus. Hoje eu agradeço essas pessoas na minha vida”. Os pastores Carlos Andret e Talita, Ivair e Rosana e Alex são tratados como figuras essenciais. Assim como a esposa, citada a todo instante, além do filho Gustavo e o enteado Vitor.
Além deles, há aqueles que trouxeram ao mundo este exemplo vivo de superação. José Roberto e Eva são chamados de heróis por Thiago. “Nunca desistiram de mim. E peço a cada pai, a cada mãe, a cada esposa, marido, filho. Cada pessoa que tem alguém que ama nesta vida. Não desista. Lute até o fim”, clama Thiago.
O novo sonho
O menino bom de bola está de volta ao Amador. Nos últimos anos, vestiu a camisa do Star, clube da Zona Leste e que disputou a Série A em 2019. Para este ano, conta com orgulho que recebeu convites de Café Lan House e Vila Dias. Enquanto se mantém ativo no futebol, ajuda no sustento da casa trabalhando na Casa de Carnes Lopes, estabelecimento situado no seu bairro.
Já o sonho? Algo simples demais para muita gente, mas que nem sempre é fácil de conseguir: ser feliz. E mais do que isso. Nada egoísta vem à mente de alguém que só está em pé graças a mãos solidárias. “Quero ajudar muitas pessoas que têm problemas com drogas e, se Deus quiser, tomar conta de uma clínica”. Diferente daquele sonho de garoto, de brilhar no futebol, que este desejo se realize.
Mas, sem perceber, ao dar luz a uma história tão sombria e de reviravolta positiva, Thiago já exerce um papel fundamental. É exemplo de reconstrução não apenas para quem sofre com o nefasto mundo das drogas, mas para qualquer um que esteja recebendo golpes que parecem invencíveis. Seu contra-ataque tem sido eficaz e o crack, antes imenso, hoje é mais um rival driblado por este craque da vida.