A diferenciação sexual, para o arrepio da patrulha feminista radical, é uma realidade que resiste na humanidade em diversas ocasiões ao longo da história. Por exemplo, na mitologia grega, encontramos aquilo que hoje é denominado como complexo de Diana, o rechaço da condição feminina, ombreada do complexo de Urano, a negação da condição masculina. O debate sobre a distinção entre mulher e homem e a determinação de sua própria identidade sempre pertenceu ao âmbito da filosofia, da ética e da antropologia.
Podemos dizer que o desafio que representa o conhecimento do masculino e do feminino em profundidade, no seio de seu enclave ontológico, começa por uma velha inquietude humana, insculpida no portal de entrada do Templo de Delfos: conhece-te a ti mesmo. No século XX, a sexualidade humana recebeu um tratamento intenso desde o ponto de vista da antropologia (Feuerbach) até o da consciência (Freud, Adler e Jung). Foram contributos intelectuais que permitiram, em muitos casos, abrir novas dimensões para uma correta compreensão da sexualidade humana e de suas consequências.
Atualmente, sob a influência dos postulados de maio de 68, dentre os quais está a indiferenciação sexual, vivemos um momento histórico em que, submetidos à pressão soberana da ideologia de gênero, expressões como homem, mulher, pai e mãe vêm perdendo seu sentido teleológico-antropológico, sendo tomadas por um vazio de conteúdo, por uma ideia de identidade absoluta e de uma noção de intercambialidade entre os sexos que inunda tudo, desde a educação das escolas até o conteúdo das leis.
Apoiado por conhecidas fundações internacionais (as mesmas que, num passado recente, eram representativas do “imperialismo colonialista americano”), o feminismo radical tupiniquim vai impondo uns valores aqui e acolá, criando uma nova ética social e uma nova ordem social, apesar da falta de fundamentação antropológica, e, ao cabo, vai jogando por terra verdades antropológicas essenciais do ser humano, como a alteridade sexual e mesmo a diferenciação sexual neurológica.
Mas o intento de viver sem uma identidade feminina ou masculina tem provocado frustração e infelicidade entre muitas pessoas incapazes de ir ao encontro de sua própria essência, determinada por ocasião da formação cerebrina nas primeiras fases da gestação fetal: sim, o “cérebro tem sexo” e homens e mulheres saem do útero com tendências e inclinações inatas. Não nascem como uma tabula rasa, mas como uma tabula plena sexualmente. Aliás, em países em que o feminismo radical abraçou por completo a ideologia de gênero, seus estragos já são perceptíveis, como na Suécia e na Noruega, onde existe um sério problema social de crise de identidade.
Esse feminismo radical (que, na raiz, lembra um mimetismo às avessas do machismo) produz uma revolução silenciosa e desestruturadora da identidade das pessoas, cuja meta é a de chegar a uma “sociedade sem classes” de sexo, por intermédio da desconstrução da linguagem, das relações familiares, da reprodução, da sexualidade e da educação. Não tenho dúvidas acerca dos danos psicológicos e sociais sobre as gerações vindouras. Só ignoro o tamanho da escala.
A verdadeira revolução sexual feminista será aquela que, recobrando os fundamentos antropológicos essenciais do ser humano e se sustentando na vasta literatura científica sobre a diferenciação sexual, reconheça que a mulher e o homem, cada um desde sua perspectiva, realizam um tipo de humanidade distinta, com valores e atributos próprios e complementares.
Contra esse feminismo extremista que distorce a realidade, é necessário recordar como a natureza humana e a órbita cultural-histórica integram-se num processo amplo e complexo que constitui a formação da própria identidade pessoal, na qual as dimensões feminina e masculina correspondem-se e se complementam. Não se trata de um retrocesso reacionário, mas de um avanço progressista, pois, ao se reconhecer as diferenças inatas, poderá surgir um debate profícuo sobre a correção dos desequilíbrios sociais já verificados.
E, ao mesmo tempo, trata-se de um imperativo de justiça, porque o ser humano somente alcança sua plena realização existencial quando se comporta com autenticidade a respeito de sua condição sexual, seja feminina ou masculina, ainda que o auditório feminista radical não goste de ouvir, porque sempre confunde um dado objetivo com segundas intenções. No assunto de hoje, não existem segundas intenções. Apenas as primeiras e são as que ficam. Com respeito à divergência, é o que penso.
André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, mestre em filosofia e história da educação, pesquisador, professor do IICS-CEU Escola de Direito, membro da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB/SP e coordenador do IFE CAMPINAS ([email protected]).