A taxa de racionalidade no processo decisório da sociedade tem se expandido na esteira da contrariedade contra os políticos. Pesquisas qualitativas mostram uma expressão dura – chegando ao baixo calão – quando grupos de todas as idades e classes se referem aos nossos representantes. Impressiona o alto índice de votos em “nenhum” candidato, em se tratando dos pleitos estaduais. A indignação até pode indicar “emoção” nas respostas, mas o fato é que o voto sai cada vez mais do coração para subir à cabeça, a denotar a vontade do eleitor de decidir de maneira autônoma, livre, não se deixando levar por ondas emotivas, essas que partidos teimam em querer produzir.
Vejamos o caso de Lula. Que deu ampla entrevista ao jornal FSP(1/03/2017), onde diz com todas as letras que sua condenação pelo juiz Sérgio Moro e pela 2ª Instância produzirá uma vítima “desnecessária”. Lula vai vestir por inteiro a fantasia de vítima perseguida por um juiz, que, para ele, deveria “ser exonerado a bem do serviço público”. Portanto, o cenário com o comandante petista condenado já está devidamente desenhado. O povo não foi chamado a ir às ruas, disse, mas ele poderá fazê-lo, o que criaria imensa balbúrdia, ainda mais pelo fato de que pode vir a “ganhar até no primeiro turno”.
Luiz Inácio é, sem dúvida, um líder carismático. Exerce grande atração para as massas. É intuitivo, escolhe o discurso adequado aos momentos, usando o timbre rouco de voz, movimentando-se no palanque como nenhum outro político saberia fazê-lo e, para assim gerar empatia com plateias. Essa é a síntese do que se tem dito sobre as qualidades de Lula, ainda conhecido pela capacidade de ser “esponja” e “teflon”, ou seja, absorve tudo que ouve (números, informações, contexto) sem deixar que nada negativo cole nele. Há, porém, uma dúvida que será respondida ao longo do ano: essa é a moldura atual ou uma fotografia antiga?
A verdade é que o PT e seus líderes não são mais os pregoeiros da verdade. Do mensalão para cá, descem a ladeira do precipício. José Dirceu, preso, vê seus bens indo a leilão; João Vaccari, ex-tesoureiro, continua preso; o ex-poderoso ministro Palocci está preso e, segundo Lula, “quem faz delação quer ficar com uma parte daquilo que se apoderou” (referindo-se a seu ex-braço direito). O próprio ex-presidente, condenado, tem seu nome praticamente todos os dias envolvido na fogueira da Lava Jato.
Será que nada cola nele? Ou será que o petismo ainda acredita ser o partido ético, revolucionário, não tendo a ver com a roubalheira na Petrobrás? Seria uma conspiração norte-americana para se apropriar do nosso petróleo? É o que diz Lula, quando garante que interessa a eles “o fim da lei que regula o petróleo”. Ou seja, há uma conspiração contra o Brasil.
É fato que o nosso ex-metalúrgico é líder nas pesquisas. Ocorre que a campanha massiva não começou. Ele e Bolsonaro, porém, já iniciaram sua perambulação eleitoral. Garantirão os bons índices que exibem ante o bombardeio que se travará ao correr da campanha? Pouco provável. Militantes do PT e de movimentos certamente inundarão as ruas com bandeiras vermelhas para protestar contra eventual barreira à candidatura de seu ícone. Que poderá tentar acender o pavio de fogueiras em Estados da Federação. O carisma não é uma fonte inesgotável. Pode ser corroído pela sujeira rotineira de escândalos envolvendo os protagonistas, inclusive os carismáticos.
O Brasil está mudando.
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato