Quase três décadas depois da erradicação da pólio no Brasil (a marca foi reconhecida em 1994 pela OMS (Organização Mundial da Saúde), epidemiologistas temem que a baixa vacinação das crianças traga o vírus e a paralisia infantil de volta. Uma reportagem da revista Carta Capital publicada no final de 2022, trouxe informações exclusivas a respeito de um mapeamento feito por nove pesquisadores das universidades públicas do Ceará, Maranhão, Pernambuco, Santa Catarina e São Paulo.
Para mensurar a gravidade do problema, eles avaliaram o andamento da vacinação contra poliomielite no Brasil entre 2011 a 2021. O estudo mostrou que a cobertura vacinal contra a poliomielite atingiu o menor patamar em dez anos. Segundo a pesquisa, nenhuma região do país ficou próxima de alcançar 100% de imunização no último ano — o extremo oposto ao observado em 2011.
“A maior preocupação é a volta da paralisia infantil, por causa da reintrodução do vírus da poliomielite, que continua circulando em outros países e pode chegar até aqui”, afirmou o editor-chefe da Revista Ciência & Saúde Coletiva, Antônio Augusto, na matéria da Carta Capital. Neste ano, os Estados Unidos registraram seu primeiro caso de pólio desde 2013. Pela falta de vacinação, um jovem adulto sofreu paralisia.
Em fevereiro, o Malawi, país africano, declarou um surto de poliomielite selvagem — que não tinha registro há cinco anos. Mesmo investindo em reforço nas campanhas de imunização nacional, o índice da população-alvo vacinada não alcançou os 90%, que é o mínimo recomendado pelo Ministério da Saúde para que exista a proteção coletiva.
“Há uma diminuição da percepção de que a poliomielite é um problema. Nós não vemos mais, faz muitos anos que as gerações não sabem, então parece que não existe mais o problema”, explicou a pesquisadora Maria Rita Donalisio, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Dados
Os estados que mais sofreram com a queda na imunização contra a poliomielite estão nas regiões Norte e Nordeste. Roraima no topo, com baixa de -14,8%, Amapá com -14,3%, Rondônia com -12,1%, seguidos de Paraíba, Ceará e Acre, com quedas na casa dos 10%, segundo os dados do mapeamento das universidades públicas.
“Mesmo grupos que não aceitam vacinas, eles davam a vacina da pólio aos filhos. Entretanto, isso está mudando e a situação da vacinação tem nos preocupado. Os dados estão indicando queda generalizada, não somente da vacina contra a pólio”, disse a pesquisadora da Unicamp, Maria Rita Donalisio, ao explicar o contexto do risco de surtos de doenças já erradicadas no Brasil. “Existe pressão para a reintrodução do sarampo e da poliomielite no país. Nós não podemos deixar isso acontecer”, complementou.
Entre os vírus mais conhecidos, o sarampo é considerado o mais transmissível de todos. Foi considerado eliminado em 2016, mas voltou a circular em 2018. Os dados da revista científica Fapesp mostram que, entre fevereiro e julho daquele ano, 822 pessoas foram infectadas nas seguintes regiões: Amazonas (519), Roraima (272), Rio de Janeiro (14), Rio Grande do Sul (13), Pará (2), São Paulo (1) e Rondônia (1).
Uma das principais complicações é a contração de infecções, por conta da baixa imunidade, na qual, o infectado pode adquirir outras doenças, como sinusite, otite, encefalite, pneumonia e também sequelas neurológicas. Em um dos maiores picos vivenciados no Brasil, no ano de 1986 foram mais de 129 mil casos de sarampo notificados e na década de 70, por ano morreram mais de 2,6 milhões de pessoas no mundo.
Com os casos de poliomielite não foi diferente. Entre os anos de 1968 e 1989 o Brasil havia contabilizado mais de 26 mil casos da infecção, segundo números do Ministério da Saúde. A infecção, assim como o sarampo, é transmitida com facilidade e surge principalmente da falta de saneamento básico, contato direto com fezes ou com secreções de pessoas doentes com o vírus. Ela pode ser assintomática ou se manifestar com febre, mal-estar, dor de cabeça, de garganta e no corpo, podendo gerar paralisia ou até mesmo meningite.
CRÉDITO DA FOTO: Tomaz Silva/Agência Brasil