A Polícia Civil está investigando por meio de inquérito criminal um caso de falsidade ideológica que pode ter culminado, inclusive, na morte de uma pessoa, em março deste ano, na Santa Casa de Mogi Mirim. A investigação aponta que um falso médico pode ter atuado na Santa Casa e atendido centenas de pacientes que passaram pelo Pronto Atendimento em meio a uma epidemia de dengue.
O caso de falsidade ideológica só foi descoberto, no entanto, porque desde março a Polícia Civil vem investigando a morte do paciente Ricardo Prado Maiollo em um inquérito sobre negligência. No dia em que Maiollo faleceu, a principal suspeita da morte era dengue e a família se mostrou indignada com o atendimento dado a ele na Santa Casa local.
Naquele 23 de março, Maiollo procurou a Santa Casa por volta das 18h30 porque estava com sintomas compatíveis com os da dengue. Ele estava com febre, dores no corpo, vômito e com 28 mil plaquetas. Mesmo com este quadro, na ocasião, a Santa Casa informou por meio de nota oficial que “… foi atendido cerca de uma hora e meia depois, às 20h, quando foi medicado seguindo a prescrição do médico que atendia no momento e, posteriormente, liberado”.
Horas mais tarde, o paciente retornou ao hospital com quadro de saúde ainda mais grave e apenas sete mil plaquetas. Embora tenha sido internado às pressas, ele não resistiu e faleceu.
Na ocasião, uma investigação foi realizada para saber se a morte havia sido causada por dengue, e 53 dias após, o Instituto Adolfo Lutz divulgou resultado negativo para a doença.
No entanto, independente da causa da morte, o inquérito criminal prosseguiu em paralelo com uma sindicância do Conselho Regional de Medicina (CRM). Tanto a polícia quanto o CRM solicitaram do médico plantonista Gustavo Fonseca dos Santos, de 29 anos, explicações sobre os procedimentos adotados. Foi aí que se descobriu que o ‘médico’ que atendeu Maiollo e outras centenas de pessoas naquele 23 de março, era supostamente, um farsante.
Isso porque, o verdadeiro Gustavo Fonseca dos Santos prestou depoimento à polícia e ao CRM informando que nunca trabalhou em Mogi Mirim. Ele disse que é de São Paulo e faz residência em um hospital de Campinas e nunca prestou qualquer atendimento na Santa Casa local como plantonista. Mas, na ficha de atendimento ambulatorial do paciente que morreu, constam o nome completo e o número do CRM do médico carimbados.
“Essa situação é absurda. No dia da morte deste rapaz eu estava dando plantão em outro hospital de Campinas e posso provar. Portanto, não fui eu que o atendi. Alguém se passando por médico deu plantão em Mogi Mirim e usou o meu nome e meu CRM. O que eu questiono é como a Santa Casa contrata uma pessoa para ser plantonista sem ter qualquer garantia de que essa pessoa é realmente um médico”, declarou Santos à reportagem de O Popular.
O suposto falso médico que era plantonista, no entanto, não trabalha mais na Santa Casa. O Popular apurou que ele não tinha vínculo empregatício com o hospital e tinha sido contratado temporariamente, por meio de uma empresa terceirizada. A Santa Casa, no entanto, não revelou o nome de tal empresa terceirizada responsável pela contratação dos médicos e nem os critérios de seleção dos profissionais.
O Popular também questionou o hospital quanto ao tempo que o suposto falso médico atuou em Mogi Mirim, mas não obteve resposta. A única informação repassada pelo hospital via assessoria de imprensa é a de que “A Santa Casa somente irá se pronunciar quando for notificada oficialmente”.
Plantonista não era o verdadeiro Dr. Gustavo
Por meio de uma fotografia do verdadeiro médico Gustavo Fonseca dos Santos, a reportagem de O Popular conseguiu apurar ontem, junto a dois funcionários da Santa Casa de Mogi Mirim, que o homem que deu plantão no hospital não era aquele. Ou seja, a suspeita de que um falso médico tenha atuado no município ganha ainda mais força.
Outra tentativa da reportagem ao apurar os fatos noticiados foi a de entrar em contato com o suposto falso médico. Por meio de um telefone celular com DDD do Estado do Paraná (041), foram feitas inúmeras ligações entre ontem e anteontem, todas sem sucesso. O número está indisponível para receber chamadas e, portanto, não se sabe do paradeiro do suposto farsante.
CRM terá sindicância sigilosa
Diante da denúncia de falsidade ideológica e da possibilidade de um falso médico ter atuado em Mogi Mirim, o CRM informou que vai prosseguir com a sindicância que apura eventual negligência no caso da morte do bancário Ricardo Prado Maiollo.
“Como o caso agora envolve um suposto falso médico, a investigação foge do controle do CRM porque o CRM só investiga médicos. Mas, independente disso, a sindicância terá continuidade para apurar as responsabilidades. Ou seja, a Santa Casa e a empresa terceirizada que contratou o homem que se passou pelo médico Gustavo Fonseca dos Santos terão de dar explicações, inevitavelmente”, informou a assessoria de imprensa do CRM.
A sindicância vai correr sob sigilo até que todo o caso seja devidamente esclarecido e as responsabilidades, apontadas.