Gaudêncio Torquato*
O sociólogo chileno Carlos Matus, em seu ensaio Estratégias Políticas, define de maneira interessante os estilos de fazer política. O primeiro é o estilo chimpanzé, ancorado em projeto de poder pessoal, de rivalidade permanente, de hierarquização de forças. Cada protagonista luta para ser o mais forte, o mais poderoso. Luta-se pelo poder como fim, partido contra partido, com foco na micropolítica, longe dos interesses coletivos. O chimpanzé quer preservar sua manada, afastando para longe outros bandos de macacos.
O segundo é o estilo Maquiavel, em que o poder do Príncipe se subordina a um projeto de Estado. Mas um Estado plasmado à luz e à semelhança do Príncipe. Os fins justificam os meios. Tudo é válido para se chegar ao topo. E já a terceira vertente é a de Gandhi, que eleva os valores humanos, da solidariedade, da irmandade, da unidade, da caridade, com o fito de se alcançar a felicidade coletiva.
Puxemos essa modelagem política para o nosso ambiente. Regra geral, os protagonistas ambicionam ascender ao pódio mais alto do poder político. Cada qual quer vencer o outro, mesmo que pertençam a um mesmo bloco do sistema representativo. Agora, tanto Luiz Inácio como Jair Bolsonaro se mostram inclinados a optar pelo modelo Maquiavel, com o personalismo do Príncipe focado em um projeto de Estado, um inclinado à esquerda, outro, à direita, ambos comprometidos em fincar profundamente no solo bandeiras de cortes fortes.
No Congresso, o pragmatismo é o lume da modelagem chimpanzé, a de “o poder pelo poder”. A arma é o voto, com o qual partidos preservam e ampliam territórios, disparando tiros leves e fortes, ameaçando o governo com retiradas de apoio, buscando coalizões. No instinto chimpanzé “o fim sou eu mesmo”. O povo? Ah, deixa pra lá.
Como se vê, a democracia é um jogo de cooperação e oposição. É o palco de jogadas entre contrários. No certame de cooperação, as regras são a persuasão, a negociação, os acordos, a busca de consenso. Já no jogo de oposição, procura-se medir forças, confrontar o adversário, provocar tensões, desgastar, impor vontade pela força.
Com olhos em outubro de 2022, Bolsonaro terá a economia, sob Paulo Guedes, como tábua de salvação para atrair os braços das margens sociais. Esse será o busílis. Conseguirá resgatar o bem-estar social que passa pelo crivo da economia? O Bolsa Família e o Auxílio Emergencial serão a cereja do bolo? O povo poderá ter esperança de ver a vitória do bem? Mais: como estará o Brasil em outubro de 2022, com milhões de brasileiros ainda chorando a morte de parentes?
A oração de Gandhi não será suficiente para salvar um país dividido entre Chimpanzé e Maquiavel.
* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação