Em certos momentos, a vida nos fornece oportunidades extraordinárias. Um privilégio que me coube, nesta já longa e mal-conservada estrada, foi testemunhar a história dos anos de 1984 e 1985, diretamente ligados à redemocratização do Brasil.
Foi em 84 que o regime militar começou a sair de cena. Ou a ser defenestrado, como queiram as vontades de cada um. Em 85 completou-se a obra, com a eleição de Tancredo Neves, aquele que acabou sendo presidente da República sem nunca ter sido.
A campanha Diretas-Já foi um rico momento da história brasileira.Talvez o mais rico em se considerando o grau de adesão popular, na explosão de um sentimento de angústia e de esperança.
Nesse contexto, não posso me esquecer de duas coisas. Uma delas foi o escamoteamento da Globo à campanha. A poderosa só entrou quando, pelo inevitável do estupro, o jeito era gozar junto. Pagou o preço. Repórteres passaram apertado e viaturas foram atacadas por manifestantes.
O ápice da safadeza foi em 25 de janeiro de 1985. Pautado pela chefia, Ernesto Paglia reportou o grande comício da Praça da Sé como se fosse a comemoração pelo aniversário da capital. Na redação da então TV Campinas, eu e Heraldo Pereira estrebuchamos.
Esta é a segunda circunstância da qual não posso me esquecer relativamente àqueles anos. Não foram poucas as vezes em que eu e Heraldo – ele pilotando um Chevette branco de quarta ou quinta mão, sei lá – degustamos saborosas peixadas na Cachoeira de Cima, à beira do rio Mogi Guaçu, regadas a incontáveis Antarcticas e animadas por conceitos e expectativas acerca da grande mobilização que tomava conta do país.
A eleição direta, sonho nacional, não veio. Caiu na Câmara dos Deputados e sequer foi ao Senado. Foi uma notória ocasião em que os representantes do povo deram as costas aos seus representados, o povo. Mas, nem é o caso de gastar muitas linhas com o fato, considerando que isso se repete com freqüência, tendo em vista o viés mercantilista de boa parte daqueles que levamos a Brasília.
Restou a via do Colégio Eleitoral. E tornou-se inevitável tapar o nariz e aceitar Sarney na chapa de Tancredo para viabilizar a travessia do Rubicão. Fiz minha parte como torcedor. Colei no vidro do meu Ford Del Rey verde musgo usado um adesivo da campanha do mineirinho que levava também o nome do homem dos marimbondos de fogo. Fazer o que? Ou era assim ou engoliríamos uma prorrogação do regime de exceção.
O que aconteceu depois não se sabe se foi comédia ou tragédia. Tancredo morreu e Sarney foi entronizado na presidência. Dizem que teve o mérito de conduzir a redemocratização. Com alguma boa vontade, digamos que sim. Todavia, administrativamente foi um desastre completo. A inflação bateu em 85% … ao mês. Et pour cause, veio Collor!
Vi. Vivi. Acho ter sido um privilégio, também pelas personalidades com que pude conviver no período. Com alguns, sofremos juntos pelo prolongamento da nossa ansiedade.
Agora, cá entre nós, que ninguém me leia. Se a minha contribuição não serviu para grande coisa ou para coisa nenhuma, não me frustro. O tempo não foi inteiramente perdido. Os pintados na brasa e as Antarcticas trincando nem o Master Card pagaria.
Valter Abrucez é jornalista autodidata. Ocupa, atualmente, o cargo de Secretário de Comunicação Social na Prefeitura de Mogi Guaçu e escreve aos sábados em O POPULAR