Após ter conquistado o título infantil da Liga de Handebol do Estado de São Paulo de 2013, pelo Clube Mogiano, a goleira Milena Rafaella, então com 13 anos, revelou a O POPULAR o sonho de jogar pelo Corinthians, em uma declaração em que o anseio era algo tratado como distante. Quase três anos depois, Milena se sagrou campeã do Campeonato Paulista Sub-16 pelo clube do coração, uma realidade muito melhor que a sonhada. “Era mais um sonho, porque pra mim eu nunca iria sair do Clube”, revelou a garota, de 16 anos, ainda saboreando o título de dezembro de 2016.
Com a saída de algumas jogadoras, o Clube Mogiano ficou sem um time para disputar o Paulista em sua categoria, o que fez Milena procurar outra equipe. “Acabou sendo bom, eu ia morrer no Clube, eu estava bem acomodada”, admitiu.
As portas começaram a se abrir quando Milena disputou a Atibaia Cup pelo Clube. O rendimento do time não foi positivo, mas a experiência serviu para Milena fazer amizade com jogadoras do Corinthians, pois ficaram juntas em um acampamento. Com contato mantido, soube que haveria uma seletiva no Corinthians no final de 2015. Milena passou, mas também havia feito uma seletiva no Pinheiros. Então, os clubes rivais disputaram Milena. O Corinthians ofereceu à garota treinar apenas duas vezes por semana, podendo completar os treinos no Clube. Assim, não precisaria morar em São Paulo. Apesar dos conselhos para escolher o Pinheiros pela estrutura, o fato de poder morar em Mogi e, especialmente, o coração, pesaram a favor do Corinthians.
Curiosamente, na final do Paulista, o Corinthians venceu o Pinheiros. “Teve um sabor especial, foi contra minha melhor amiga ainda, a Thaís”, contou, revelando que a amiga teve a mesma chance de escolher, mas optou pelo Pinheiros.
Evolução
No Corinthians, comandada pelo técnico Paulo Goulart, Milena conta com uma preparadora específica de goleiros, Kátia. “Quando cheguei lá, elas falaram: tem uma diferença de pegar bola e ser uma boa goleira. Você pega bola, porque você não tem a técnica ainda. Eles trabalham bastante a técnica, movimentação. Aprendi bastante coisa”, frisou.
Agora Milena subirá para a categoria sub-18 e pretende seguir carreira profissional no Corinthians, além de chegar à seleção brasileira. Hoje não tem nem ajuda de custo. A garota estuda em Mogi e pretende cursar Educação Física e Fisioterapia. Caso não consiga se tornar profissional, pretende ser professora ou técnica de handebol.
Lembranças
Em 2012, Milena havia vivido uma experiência curiosa. Emprestada pelo Clube para defender Paulínia no Paulista Sub-13 da Federação, a garota enfrentou o Corinthians. “A gente não sabia que o Corinthians tinha um time de handebol. Eu enfrentei meninas do Corinthians que jogam até hoje e que agora jogam comigo”, contou.
No Clube, quando iam jogar em outras cidades, Milena lembra que as garotas do time eram chamadas de patricinhas. “A gente é a favela agora, agora é diferente”, brincou. “É mais legal, dá pra botar mais medo”, completou.
Milena se consolida como a garota da Hora H e brilha em conquista corintiana
Muitas vezes relaxada em jogos comuns, a goleira Milena se transforma nas partidas decisivas. Destoando das atletas que sucumbem à pressão, Milena eleva o nível de atuação e vira peça fundamental nas conquistas. Foi assim que em 2013 brilhou pelo Clube na final da Liga Paulista Infantil. Na ocasião, defendeu três contra-ataques consecutivos, impressionando o técnico Bruno Camargo: “O Brunão falou esses dias desse jogo. Eu defendi, lancei e a nossa menina errou. Aí veio o contra-ataque, eu defendi, no que eu tava no chão, ela pegou o rebote e eu defendi de novo. Ele falou que foi um dos melhores jogos”.
Neste ano, pelo Corinthians, em quase todo o campeonato, Milena ficou na reserva e entrava em alguns minutos. Faltava confiança do técnico. Na fase de classificação, contra o Pinheiros, ficou no banco o tempo todo. “Ela olhava pra mim, aquele olhinho: mãe, quero jogar, ele não confiou nela. Porque era um jogo que não pode ter chance de perder”, lembra a mãe Juliana.
O técnico foi conhecendo mais Milena e lhe deu oportunidade entrando nos minutos finais das semifinais e do primeiro jogo da final. Na partida decisiva, contra o Pinheiros, a titular não estava bem, tomou dois gols, e, desta vez, foi sacada logo no início da partida. Milena entrou e deu conta do recado: “Sim, eu sou melhor quando tem mais pressão”.
Depois do intervalo, Milena voltou jogando. Porém, o técnico deu mais uma chance à titular, que sofreu mais dois gols e Milena retomou a vaga. A torcida, com presença de bateria dos corintianos, gritou o nome de Milena. Entre os torcedores sempre estão a mãe corintiana e o pai José Carlos, santista, que disfarça a torcida pelo rival gritando “Vai time” em vez do tradicional “Vai Corinthians”. A irmã Emilly é outra torcedora e também joga no sub-14 do Clube.
“Loucura” transforma adepta do futebol em goleira de handebol no Recanto
Aos 10 anos, Milena era uma praticante de futebol que brincava com a família. Quando se tornou sócia do Clube Mogiano, em 2011, pesquisou as modalidades e aderiu às aulas de handebol, entrando no time sub-14. Começou a jogar na linha até um dia ter vontade de defender arremessos. “Aí o Brunão (técnico) falou: essa menina é retardada, vou colocar no gol. Aí fiquei. Porque goleiro tem que ser meio louco, todo mundo fala”, brinca, em função das boladas. “Não tenho medo. Tem que deixar explodir. Já acostumei, tomo na cara”, afirma, revelando defender como for preciso. ”De cabeça, de bunda, do jeito que vim. No último jogo, a menina veio, eu dei uma cambalhota por cima dela”.
A evolução da goleira acompanhou o crescimento do Clube. Em 2011, com com companheiras de time mais velhas, a equipe sub-14 venceu apenas dois jogos da Liga. Em 2012, as meninas fizeram um pacto, concretizado no ano seguinte: “A gente vai ganhar de todos os times que a gente perdeu, de agora em diante”.
Naquele ano, o time terminou em quinto lugar e foi campeão da Série Prata. “Foi força de vontade do Bruno e da gente, a gente sacrificava várias coisas para treinar”, ressaltou.
Em 2013, várias atletas subiram à categoria sub-16, enfraquecendo teoricamente o time. Milene continuou no sub-14. E sentiu o sabor de ser desafiada por um treinador motivador. “No começo do ano o Brunão falou: vocês não vão chegar a lugar nenhum”.
O desafio deu certo e o Clube chegou às semifinais, depois da punição a um dos classificados. A equipe mogimiriana venceu Tietê e foi para a decisão da Série Ouro. “A gente começou a zoar o Brunão. Você não acreditava na gente. A gente fez uma aposta: se fosse campeão, a gente ia raspar a cabeça do Bruno. E a gente foi. Aí acabou o jogo, a gente raspou, no ginásio”, recorda.
Em 2014, a equipe chegou novamente na decisão do Sub-14, mas perdeu para Tietê. No ano seguinte, Milena foi goleira do Clube no Sub-16, que ficou em quarto lugar na Série Ouro.