O Brasil está aparelhado. O petismo se infiltrou debaixo das saias da Justiça e dos tapetes do Congresso. A intolerância impera no Poder e a Constituição é um livro corroído e empoeirado num canto qualquer da Biblioteca Nacional, sem nenhuma serventia aparente. Olho para mim e vejo os brancos da barba, do cabelo, as rugas da testa e um rosto que ainda reconheço meu e de grande estima.
Cheguei até aqui graças aos meus acertos e erros, mas, sobretudo, defendendo com unhas e dentes o direito que tenho de ser único dentre os sete bilhões de que habitam o planeta. Não gosto de multidão. Multidão não tem código de conduta. Não sou gnu nem formiga. Povo não existe; povo é retórica de comunas que bem gostam do bem-bom do capitalismo.
Não sou militante de nada. Fui, sim, mas não sou mais. E muito me arrependo porque isso significa que dei valor a algo que em si não queria dizer absolutamente nada. Militante não pensa; é pensado para agir segundo a loucura dos líderes das massas, lixo ideológico, laranja humana a ser chupada e destinada a apodrecer nas imediações do Poder. E eis aí Lula se abraçando a Sarney, Maluf, Collor, Renan Calheiros, Romero Jucá e dizendo aos mensaleiros “estamos juntos”.
Sou brasileiro e a Pátria não me diz nada. Não é a minha mãe e nem o Brasil é o meu pai. Meu vizinho é o meu vizinho e o homem que não sei o nome, onde mora, o que faz e o que pensa, é o homem que não sei o nome, onde mora, o que faz e o que pensa. Mas é um homem com os mesmos direitos, responsabilidades e sonhos que só a ele interessa. E respeito é bom e gostamos.
Nada sei do homem que plantou o alimento que ponho no prato. Nem do homem que cuida de limpar a água que bebo. E nem eles sabem do que faço para viver sem lhes torrar o saco. Não se trata de cada um na sua e eu na minha que isso é coisa de fascista.
A multidão é fascista; e fascistas gostam do anonimato impune da multidão. E eu não sou de dar a cara pra bater, por merreca, coisa que julgo ser idiota e própria de quem não pensa por si mesmo. E nem sou de bater na cara de ninguém que se ofereça a tanto. E passo reto. E volto pra casa pensando em o que levar para agradar a companheira que também trabalhou para a serventia da nação.
A Constituição, sim, garante a minha individualidade. E também a do meu vizinho, e a do homem que planta o meu alimento e também daquele que não sei o nome, onde mora, o que faz e o que pensa. Ninguém me deve nada e nem eu devo satisfação a ninguém. Apenas à Constituição e, é claro, à moça que me faz orgulhoso de ser o que sou: um cara apaixonado e serenamente feliz.
Não estou chateado e nem quero reclamar de nada. E nem triste fico mais. Só estou fazendo o que qualquer homem indignado faz quando se sente politicamente injustiçado. E assim agradeço ao o que quer que seja essa sensação fantástica de sempre se manter apaixonado e, é claro, de sentir saudade de voltar pra casa, abraçar a quem se ama e tomar um banho de água quente.
E viver é bom demais; e mais ainda entender que tudo na vida tem sabor de recomeço. Até mesmo quando tudo parece ter chegado ao fim. E é o que, sinceramente, por força do imperativo cristão, que os condenados mensaleiros entendam e aceitem como uma forma de perdão. E nada mais posso oferecer além do que a lei determina; e dela cada brasileiro é o seu guardião; e o único a pagar pelos pecados de seus bandidos políticos. Enfim, que eles cumpram suas penas e nos deixem a sós com as nossas esperanças mortas por falsas promessas de retidão no trato político. É isso.
Bom dia.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico