Um grupo composto por docentes e egressos da Universidade Federal do Piauí (UFPI) se uniu para criar o manual de libras para ciências, um e-book com representações em sinais de termos específicos sobre partes das células e dos sistemas do corpo humano. No Brasil, existem 10 milhões de pessoas com algum grau de surdez, o que representa cerca de 5% da população do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O problema se desdobra para além das dificuldades auditivas, porque a falta de estrutura especializada leva a uma deficiência de oportunidades desde a infância. Um estudo realizado pelo Instituto Locomotiva em conjunto com a Semana da Acessibilidade Surda, em 2019, demonstrou que a escolaridade média desse grupo está abaixo da média nacional.
O primeiro volume do novo manual, A célula e o corpo humano, foi lançado em agosto e disponibilizado gratuitamente na internet. O e-book apresenta cerca de 300 novos sinais que não existiam antes na Língua Brasileira de Sinais (Libras), como “glóbulos brancos”, “ureteres”, “suco pancreático” e “meninges craniais”. O livro está dividido em partes do corpo (sistema circulatório, digestivo, respiratório, reprodutor, entre outros) e, para cada termo, apresenta o nome em português, a soletração em datilologia – representação em sinais das letras do alfabeto manual – e fotografias com os sinais sugeridos. A cada página, ilustrações e textos contextualizam os assuntos.
Quando uma pessoa surda precisa lidar com termos técnicos que não contam com sinais específicos em libras, ela utiliza a datilologia. Ou seja, precisa soletrar com as mãos. “Em termos muito longos, isso é desgastante tanto para o intérprete como para o surdo”, afirma a bióloga Taiane Maria de Oliveira, que fez mestrado em biotecnologia pela UFPI e é uma das organizadoras do manual. “Dessa forma, o uso de um sinal específico vem como alternativa mais viável para auxiliar a comunicação de forma mais fácil e rápida”, defende.
“Da totalidade dos sinais exibidos no manual, 85% ainda não existiam. Os 15% já existentes não modificamos”, afirma a pedagoga Ana Cristina de Assunção Xavier Ferreira, professora de libras na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e uma das colaboradoras da obra. Ela diz que, devido ao tamanho continental do Brasil, é normal que surjam sinais dentro de comunidades de surdos que não se disseminam rapidamente. A inclusão no manual de termos já existentes pode, justamente, ajudar nessa divulgação. “Contamos com a parceria do fisioterapeuta Igor Rodrigues Ferreira para uma explicação contextualizada e direcionada sobre o conteúdo do manual, para que a explicação aos surdos fosse possível”, acrescenta, ressaltando que a equipe não tinha intimidade com muitos dos conceitos expostos.
Justamente pela importância de a comunidade surda estar aberta aos novos sinais propostos, alunos surdos do curso de letras-libras da UFPI prestaram consultoria para o trabalho. “Foi imprescindível a participação deles”, afirma o biólogo Jesus Rodrigues Lemos, colaborador do manual. Ele conta que quando se faz qualquer material em libras, o trabalho precisa ter a parceria dos surdos, os principais interessados e usuários, pois só assim será aceito e validado na comunidade.
A recepção até agora evidencia a demanda para esse tipo de material. O livro tem mais de 2 mil downloads. Pedidos foram recevidos de bibliotecas de outras universidades federais pedindo para incluir o livro em seus repositórios digitais.