Tudo que eu escrevo aqui, faz parte das minhas percepções e, por isso, podem ser bem diferentes das suas, caro leitor. Tenho uma cabeça que pensa à exaustão, diagnosticada com neurose (mas isso é assunto para uma próxima), então, de uma pequena coisa, sou capaz de extrair infinitas possibilidades. Soma-se a isso, alguém que adora ler sobre comportamentos, sobre pessoas.
Neste contexto, tem uma coisa que me intriga já faz um tempo: a forma como a geração anterior à minha vivia. Chamaria de “série de cera”, uma fase em que o que importava eram as aparências, se importar a quem ferisse.
Para tudo havia um conceito definitivo, se é que isso não é pleonasmo. Ou você era bom ou ruim, mas podia estar apenas de um lado. A criança arteira, mesmo com três anos, já era estigmatizada pelas cunhadas – eternas oponentes de sorrisos falsos e congelados – de que não “vai ser nada na vida”.
Roupa suja era sinal de fracasso dos pais: nada de derrubar macarrão, nem sorvete e, por favor, jamais deixe cair um copo. O sofá tinha que estar impecável para a visita, assim como a casa que não poderia expressar que haviam pessoas morando ali.
Embora hoje esteja sempre em pauta a história que só vidas perfeitas são representadas em fotos nas redes sociais, penso que é diferente. Acho que podemos até tentar retratar para postar, mas no dia a dia somos honestos com o que vivemos, defendemos do mundo, cercamos da vida. Penso que, antes, as imperfeições eram varridas para baixo do tapete, mesmo que isso transportasse os nossos diretos para a boca do leão.
Quando um filho ia mal na escola, por exemplo, era “culpa” dele. Normalmente por não gostar de estudar. Claro que havia menos informação e diagnóstico, mas também havia menos coragem de descobrir e assumir que de repente a criança sofria de distúrbio de atenção, já que não se podia sair da linha da normalidade. Como se ela de fato existisse e como se as nossas características próprias nos tornassem inferior a sei lá o que.
Como isso tudo é algo que grita aqui, reconheço em mim e entre meu círculo gente que até hoje luta para fugir das frases ditas paulatinamente, mas que eram prontas, sem sentido. Modernamente definidas como crenças limitantes: aquela vozinha lá no fundo que faz com que percamos toda a razão e voltemos a ser uma criança encolhida, chorando na cama.
Sinto um alívio disso tudo ter mudado. Gosto tanto quando as pessoas chegam na minha casa e encontram a caminha do Nicolau no meio do tapete da sala porque para nós ele faz parte da família e conviver com ele é infinitamente mais relevante que as patas de barro que por vezes ele deixa. Gosto do copo na pia, do Neto que chega suado de bicicleta, da Gabi que conversa com minhas amigas como se fossem dela.
Diariamente enfrentamos uma luta lascada para ser quem somos. E, dentro do que nos compõe, vivem muitos “estamos”. Porque, sim, sempre estamos na transitoriedade e que bom poder sermos muitos e misturados. E viva a liberdade!