Vivemos sempre à beira de uma linha tênue. O acusado de hoje pode ser o acusador de amanhã. E vice e versa. Nesta semana, chegou ao fim da linha o mandato do vereador Samuel Cavalcante (PL), acusado de praticar “rachadinha”, ou seja, de se apropriar de parte dos salários de um antigo assessor.
Tudo começou no dia 11 de novembro de 2019, quando a Câmara Municipal recebeu uma “carta—bomba” denunciando Cavalcante. A partir desta data, foram 255 dias, com mudanças no roteiro, incluindo uma liminar que quase evitou o julgamento e a derradeira votação que culminou na cassação do mandato do vereador.
Enfim, o processo teve a sua condução respaldada no direito. Samuel pode se defender. Quem acusou, apresentou as provas que julgava ser suficientes. E os vereadores, por 15 a 1, decidiram que o colega é culpado. Tudo isso em uma sessão extraordinária, de oito horas de duração e histórica, por culminar na primeira cassação de um vereador em Mogi Mirim.
Um processo separado por linhas tênues. Se a Câmara absolvesse, os vereadores seriam acusados de corporativismo e de compactuar com uma prática ilegal de um par. Culpando, são acusados de “jogar para a torcida” e de perseguição política. Oras, o julgado era Samuel e não os outros 16. Isso é um fato. Assim como ninguém pode garantir que os outros 16 são mais santos que o próprio Samuel.
A verdade é que, neste momento, a história está escrita com a cassação de um vereador após um rito longo e tumultuado. Terminou. E Samuel Cavalcante, que em dias normais ou em casos polêmicos sempre gostou de bradar que “foi eleito para defender o modelo tradicional da família”, hoje apresenta a seus eleitores um modelo tradicional, mas nem tanto exemplar.
Se justo for, que a história de Samuel seja alterada. Qual o problema nisto? Justiça é justiça seja no tempo que for. Mas, hoje, o justo é dizer que Samuel está cassado após um processo legítimo. E que a principal lição disto é o exemplo de que há, sim, punição a quem comete ilicitudes. Para engravatados ou mendigos. Para ateus e crentes. E, quem diria, há punição até para políticos!
Outra lição tirada deste processo é a que envolve pré-julgamentos. Por oportunismo, se costuma usar no rito eleitoral o atributo da acusação em detrimento às propostas. Se usa a falácia da defesa de suas ideologias quando, em verdade, a função de um agente público é defender todo o povo e, consequentemente, todas as ideologias formadas pelo povo. Samuel não pode ser mártir e nem vilão. Apenas, pura e simplesmente, um exemplo de que as madrugadas nem sempre devem terminar em pizza.