Fábio Gallacci
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
gallacci@rac.com.br
A notícia da prisão em São Paulo da estudante de moda Luana Bernardo Lopes, de 19 anos, e do artista plástico, skatista e grafiteiro Humberto Caporalli, de 24, deixou muitos moradores de Mogi Guaçu perplexos e preocupados. O casal, natural da cidade, foi detido durante os protestos ocorridos na última segunda- feira nas ruas da Capital e enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Sancionada em 1983, no período final da ditadura militar no Brasil, e raramente aplicada, a legislação é direcionada a cidadãos considerados “inimigos internos” e prevê uma pena de prisão de 3 a 10 anos. A foto da estudante algemada dentro de uma viatura da Polícia Militar (PM) chamou a atenção de quem passava pelas bancas da cidade.
No final de tarde de quinta-feira, tanto Luana quanto Humberto foram liberados da prisão pela Justiça. A defesa do casal diz que os dois estavam no protesto, mas não participaram de vandalismo. Segundo policiais que registraram a ocorrência, no momento da abordagem, o casal estava com uma mochila com explosivos e bombas de gás lacrimogêneo. Os acusados ainda levavam uma câmera fotográfica com imagens de ataques a um posto de gasolina e a uma viatura da Polícia Civil, que acabou virada pela multidão.
Luana é filha única da ex-enfermeira – chefe do Hospital Municipal de Mogi Guaçu, Eli Bernardo Lopes, figura conhecida e respeitada pela comunidade local. Com mais de 20 anos de dedicação à profissão, ela chegou a ser agraciada com a “Comenda Ana Nery”, por ter sido uma profissional modelo para os colegas na área da Saúde. Eli morreu de câncer no último dia 7 de fevereiro. Já o rapaz vem de uma família tradicional, e numerosa na região.
“A Eli era uma mãe muito dedicada e não merecia passar por uma situação dessas”, disse a amiga de longa data, Érika Salvi, presidente da entidade beneficente Casa de Apoio Longa Vida (Calvi), dedicada a pessoas com câncer. Desde 2006, o grupo já apoiou inúmeros pacientes na cidade e continua prestando seus serviços. A entidade foi fundada por Eli após ser diagnosticada com a doença. “A Luana é uma menina complicada, com o gênio forte, que não voltava muito para a cidade. Ficava mais em São Paulo mesmo”, comentou uma colega de hospital, que pediu para não ser identificada.
“Isso pode ser coisa da idade, comportamento da adolescência, apenas isso”, justificou outra.
A família da estudante de moda foi localizada, mas não quis conceder entrevistas. Alguns amigos da enfermeira-chefe contaram que ela não media esforços para dar uma boa condição de vida para a filha. “Ela trabalhou praticamente até o dia de sua morte, sabia que não tinha muito tempo e queria deixar tudo o mais certo possível para a filha. A Eli bancava a Luana em São Paulo, se esforçou demais para conseguir com que a menina fosse estudar por lá”, comentou uma conhecida, que também preferiu não se identificar.
Eli era divorciada do técnico florestal Marcos Aurélio Lopes desde 2010. Segundo a reportagem apurou, na quinta-feira ele já havia se deslocado para a Capital com o objetivo de ajudar a filha. Na internet, Luana o identifica como o seu “herói”. A família de Eli também estava mobilizada para resolver a situação da sobrinha.
A mãe da jovem faria aniversário anteontem. Na quarta-feira, um antigo paciente a procurou para buscar ajuda, sem saber da morte. Segundo uma amiga da enfermeira, mãe e filha comemoravam seus aniversários no mesmo mês. Luana completará 20 anos hoje. A última vez que viu a mãe foi um pouco antes dela morrer, já internada no hospital.
A casa alugada em que a família de Luana vivia no bairro Jardim Planalto Verde é hoje uma loja de aluguel de roupas para festas. “O casal brigava de vez em quando e os vizinhos viam. Isso é a única coisa que posso falar, o resto era uma rotina normal. A menina era tranquila”, disse uma vizinha. O dentista Mário Vedovello, também vizinho da família na antiga casa, lembrou que Luana estava sempre vestida de modo “exótico”. Ele se refere ao hábito constante da estudante se vestir de preto. “Tipo punk, como o pessoal fala hoje. Mesmo assim, nunca fiquei sabendo de problema nenhum”, afirmou. “A Luana se vestia de preto muitas vezes porque curtia rock. É uma pessoa legal, amiga de todos”, defendeu uma amiga, que pediu para ser identificada apenas como Carol.
Namoro
O namoro de Luana com o grafiteiro, segundo pessoas ouvidas pela reportagem, teria começado em Mogi Guaçu após a morte de Eli. Em vários pontos da cidade é possível encontrar pessoas com o sobrenome Caporalli, que chega até a ser nome de rua. Mas todos os procurados disseram ser parentes distantes do jovem e alegaram não ter qualquer contato com o grafiteiro, que deixou a cidade há alguns anos. “Uma vez eu recebi o pai dele aqui, com um currículo do filho nas mãos, para tentar arrumar trabalho para o menino com a gente. Mas eu não tinha qualquer vaga para oferecer. O contato foi esse. A família é grande”, lembrou um primo, que trabalha em uma pastelaria.
No Facebook
Em sua página no Facebook, Humberto Caporalli adota a denominação de Humberto Baderna. Na rede social ele exibe imagens contra a polícia e a mídia.
LEI DE SEGURANÇA NACIONAL
Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983.
Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências.
Art. 15 – Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
§ 1º – Se do fato resulta: a) lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade;
b) dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o dobro;
c) morte, a pena aumenta-se até o triplo.
Fonte: Ministério da Casa Civil