Procrastinação, o ato de deixar para depois, adiar, enrolar, não fazer. Geralmente é precedida pela desculpa de que não há incentivo, materiais ou dinheiro no bolso. E assim os dias passam, os projetos ficam e um dia a vida acaba. Mas, para algumas pessoas o caminhar segue outra prática, chamada de Do It Yourself (DIY) ou, traduzindo, o tal do Faça Você Mesmo. Mas o que seria isso? Oras, é bem simples: basta colocar as ideias em movimento e concretizá-las com o pouco que se tem. Atualmente, a prática caiu no gostinho de diversas pessoas que passaram a “se virar” para realizar seus desejos, ou mais, ter uma vida com autonomia.
“Fazer Você Mesmo é criar, e a vida é criação, é arte, é trabalho. Se não fizer nada, você estará isolado em si mesmo. É um autômato. Se precisa comer, plante; se tem frio, costure; se precisa se expressar, enfim, fale, grite, pinte, forme uma banda. Essa é a ideia principal”, destacou Humberto Caporalli, que é adepto da prática e vive em Mogi Guaçu. “Em casa eu mantenho uma pequena horta suspensa de garrafas pet que planto hortaliças, ervas e flores. Mas o que mais me mudou foi a técnica do stêncil. Comecei a fazer para estampar camisetas de bandas e vender em festivais enquanto viajava, além de fazer minhas próprias estampas”, disse.
Daniel Viana Leitão, que vive em São Paulo, mas tem parentesco em Mogi Guaçu, é outra pessoa que realiza suas atividades de acordo com aquilo que está disponível. Em São Paulo ele participa de um grupo chamado Núcleo Maria Lacerda de Moura que realiza em diversas cidades sessões de cinema gratuitas para a população, em que são exibidos vídeos que mostram, de fato, a realidade do povo. Um dos vídeos exibidos, para ter como exemplo, foi o despejo de diversas famílias de comunidades para que a Copa do Mundo acontecesse. “Dá para fazer totalmente independente, não precisamos usar espaços ou dinheiro da Prefeitura, podemos fazer numa praça, num boteco. Entramos em contato com outros grupos, em outras cidades, que atuam em espaços autônomos e caso se interessem é preciso arrumar o espaço, o projetor e o notebook”, explicou. Além disso, Daniel também faz parte de outro grupo (Coletivo Jurema) que ensina pessoas a fazerem seus próprios produtos de higiene, como desodorante, xarope, xampu e até pasta dental. “A ideia é que as pessoas possam romper ou se tornar menos dependente das grandes empresas e também fazer o resgate da sabedoria popular. Nossos avós e bisavós se automedicavam através das plantas e isso funcionava. Outro objetivo é trabalhar a autonomia, mostrar que elas podem produzir”.
Em Mogi Mirim, também temos adeptos da prática. André Luiz Rodrigues é um deles. Em sua residência praticamente 80% dos móveis foram produzidos por meio de “lixo”, como ele e a esposa, Lucineia de Cassia Bruno, costumam chamar. Para se ter ideia, André desenhou a planta da casa, produziu as molduras para seus quadros, fez o sofá, a mesa, a rack, cadeiras, revisteiro e, entre tantas outras coisas, até projetou o jardim. “Comecei a ver que pedaços velhos de madeira e metal podem se transformar em outros objetos. Eu observava meu pai enquanto ele fazia esboços de plantas de casas para o seu trabalho, sofá de caibros ou quando fazia raladores de queijo com uma tábua e uma chapa. Hoje costumo fazer de tudo um pouco. Móveis para casa, coisas para decoração, quadros, serviços de alvenaria pintura elétrica hidráulica e até mesmo algumas ferramentas elétricas ou não para produzir outras coisas”, destacou. Hoje, um dos projetos é a fabricação de um retroprojetor que irá facilitar ainda mais seu trabalho. A matéria prima? Cano de PVC, espelho, madeira e a vontade de fazer.
Outro exemplo para dar bye-bye à procrastinação vem de Thiago Gonçalves. Atualmente sem emprego, ele decidiu ajudar a mãe e a irmã a realizarem o sonho de montar o salão de beleza. Há duas semanas ele trabalha duro na obra, mas o espaço agora já ganhou cor, espelhos, cortina e até painéis. “Estou sem emprego, não quis contratar mão de obra e estou aprendendo. Essa é a primeira vez que fiz algo, que também ajuda a economizar. Até a cortina foi minha mãe que fez, gastamos no máximo R$ 100, contando tecido, varão e as pecinhas, sendo que só a cortina sairia por R$ 299”, comparou.
Como surgiu?
Do It Yourself ou Faça Você Mesmo é uma prática que surgiu com o movimento punk no final dos anos 1970, principalmente na Inglaterra. “Como o punk era um som mais agressivo e mais crítico, fora dos padrões, acabou não tendo espaço na mídia tradicional”, disse Daniel. Assim, as bandas começaram a trabalhar sozinhas para organizar desde seus álbuns até suas publicidades, e divulgarem suas ideias. “Meu avô e meu pai ainda são vivos. Costumo dizer que recebi a herança em vida porque o que me deram não foi o bem já pronto, mas como fazer quantos eu quiser. Afinal neste nosso mundo pra tudo existe uma receita de bolo”, disse André.