O esquema fraudulento de distribuição de sinais de televisão e internet para todo o Brasil desmantelado na vizinha cidade de Mogi Guaçu é um exemplo de como a ilegalidade está banalizada na sociedade. A Lei de Gerson, a busca por levar vantagem em tudo, que se tornou famosa com uma frase em um irreverente comercial de uma marca de cigarro estrelado pelo ex-craque da seleção na década de 70, é bem atual.
A base clandestina decodificava sinais e enviava sinais para um servidor canadense. Depois o sinal era distribuído. Obviamente, o esquema só operava em função da existência de uma série de brasileiros que preferem adquirir aparelhos piratas e explorar um sinal irregular por um preço mais vantajoso do que efetuar o pagamento à empresa autorizada. Cada aparelho era vendido por cerca de R$ 1 mil e o cliente ficava isento de assinatura mensal.
O famoso gato é uma ilegalidade aceita de forma até certo ponto passiva pela sociedade. Segundo dados da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), 4,2 milhões de residências dispõem de sinal clandestino. No total, são 23,2 milhões de domicílios com TV por assinatura, ou seja, quase 20% está irregular. Já existe um projeto de lei que pretende tornar crime a recepção de sinal.
Atos de imoralidade e ilegalidade são fartos na sociedade com sonegação de imposto de renda, com manobras nas declarações, vendas de CDs piratas, fraudes em seguros, atestados médicos fabricados e até pequenas situações aparentemente inofensivas como furar fila ou colar em uma prova.
Em uma sociedade em que lesar terceiros é aceitável sem gerar grandes indignações, a corrupção em nível de governo gera reações contraditórias. Há quem de forma hipócrita demonstre revolta com governantes que buscam benefícios pessoais em suas funções públicas, mesmo tendo consciência de suas próprias ações imorais, assim como muitos cobram a honestidade sem perceber que estão agindo na contramão do que defendem. Por outro lado, existe certa visão de conformismo com atos de corrupção, que não chegam a chocar diante a uma cultura em que corromper e ser corrompido se tornou parte do jogo da vida. Muitos têm plena consciência de que se estivessem com o poder em mãos fariam o mesmo que os corruptos.
O sofrimento acaba sendo mais latente nos honestos que se primam por uma vida de correção em meio à sujeira. Por fatores como esses, atos de corrupção por vezes não são suficientes para impedir que políticos sejam eleitos ou partidos cheguem ao poder, até por um entendimento de que a classe política se iguala entre si, bastando a oportunidade. A cultura se prolifera até pelo simples fato de que os políticos emergem de um mundo em que cidadãos corruptos ou corruptíveis passam de eleitores a candidatos e governantes. A corrupção aflora de baixo para cima e não o contrário.