Gaudêncio Torquato*
Ao ser perguntado sobre as leis que outorgara aos atenienses, Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, respondeu: “Dei-lhes as melhores que eles podiam aguentar”.
Essa poderia até ser uma boa resposta dos nossos legisladores se fossem indagados sobre o vasto arsenal legislativo. Temos leis para tudo e todos. A questão, pois, não é de quantidade, mas de aplicação. Os brasileiros, só mesmo depois de alguma punição, “aguentam” se reger dentro das normas. Foi difícil implantar o cinto de segurança no trânsito.
Esperemos para ver o fenômeno das fake news nas redes tecnológicas durante a campanha. Será uma onda gigante de mentiras e versões estapafúrdias que deverão inundar os espaços do ciclo eleitoral. Os dispositivos arrumados para coibir as meias verdades não darão conta do recado.
É oportuno lembrar que temos sido críticos sobre as decisões que teimam em impor controles, principalmente em um momento em que se clama pela liberdade de expressão no Estado democrático. O valor da transparência é muito cobrado.
Seria até compreensível que as redes sociais – blogs e sites – tivessem como parâmetro as disposições que regulam as mídias jornalísticas, como jornais e revistas, que não são concessões do Estado. Afinal, os limites entre a verdade e as múltiplas versões no terreno eleitoral são tênues. Se imaginarmos que todos os candidatos terão espaço para responder mentiras sobre eles, feitas pelos internautas, veríamos apenas uma enxurrada de pontos e contrapontos, e densas nuvens nos horizontes da campanha. A ética, como sabemos, não tem sido uma variável no tabuleiro da política.
Em suma, atentemos para a natureza da rede tecnológica. Não há nela limites físicos e até a unidade tempo, que afere os passos das pessoas e das estruturas, assume outra dimensão. As fronteiras entre público e privado se imbricam no espaço virtual, sob a égide da liberdade de qualquer um para fazer e desfazer, criar e recriar, buscar e interagir com interlocutores, enfim, de entrar numa disputa sangrenta e movida a ódio.
A conectividade propicia a usuários a efetivação do processo criativo. Deixa de haver aquela margem de subordinação e passividade do leitor/ouvinte das mídias tradicionais. Na Telépolis, global e intensamente interativa, tentar garantir espaços iguais para cada candidato, com direito de resposta a quem se sentir atingido por uma adjetivação mais forte, é querer caçar dinossauros na Avenida Paulista.
Impor rigidez a uma esfera pluridimensional faz parte da mania de fazer leis sobre coisas impossíveis, como é costume por essas plagas. É por isso que muitas leis acabam sendo um tiro de festim.
Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP