A alardeada existência da liberdade de expressão é uma realidade incompleta. A liberdade de expressão não existe em sua plenitude, pois há uma série de limitações à manifestação dos pensamentos. A legislação impõe limites na medida em que se combatem, por exemplo, a apologia às drogas e o racismo. Há ainda os crimes de injúria, calúnia e difamação para colocarem um freio no ímpeto da expressão desenfreada. A imputação de um fato falso a alguém, por exemplo, com a expressão de uma mentira, é passível de punição.
Além dos limites da legislação, há a preocupação com as consequências da manifestação diante da intolerância na sociedade. É comum a diversas pessoas não externar a opinião temendo uma reação raivosa, em uma espécie de autocensura.
A intolerância envolve diversos graus, de uma simples não aceitação de um pensamento, com críticas ferrenhas, até os extremos mais absurdos como as ações terroristas na França contra o jornal satírico Charlie Hebdo. Os ataques foram uma reação contra o que os terroristas entenderam ter sido insultos a Maomé, em função de charges do profeta publicadas pelo jornal.
A Al-Qaeda assumiu a autoria, alegando ter sido uma vingança pelo mensageiro de Deus. Líderes muçulmanos da Europa, por outro lado, condenaram o ataque, classificando como ato bárbaro e uma afronta à democracia e liberdade de imprensa. Ao mesmo tempo, foi alertado sobre o perigo que sentimentos anti-islâmicos podem causar.
Os jornais deveriam ter liberdade para fazer suas sátiras, mesmo que alguém possa se sentir ofendido. Mecanismos para os que se sentem prejudicados agir já existem, cabendo à Justiça agir se constatar, por exemplo, injúria. Por outro lado, mensurar o que é ofensa é algo de delicada subjetividade, pois o que para os olhos de alguns podem soar como agradáveis, para outros pode ser motivo de repugnância. Porém, ao correr o risco de despertar o ódio, o jornal pode, além de ser alvo de manifestações contrárias, sofrer consequências desastrosas de terroristas, que ignoram a lei.
Para se estabelecer um posicionamento, é preciso definir uma prioridade em relação a uma escala de princípios. Em uma vertente, a liberdade se sobrepõe à vida, com o conceito em si do direito de se expressar livremente prevalecer sobre eventuais riscos de consequências sanguinárias. Outra vertente coloca a vida como prioritária a ser protegida mesmo que para isso seja ferida a liberdade de se expressar.
No cerne de toda a questão está a intolerância, pois se esta fosse extinta, as manifestações poderiam ocorrer de forma mais livre e segura, sem censuras externas ou autocensuras, com o respeito ao direito de cada um se manifestar. Em uma sociedade em que a liberdade de expressão já não existe em sua plenitude, frear ainda mais o direito das manifestações não é o melhor caminho. Ainda que resultados maléficos possam ocorrer, é preferível combater a intolerância que a liberdade.