As eleições terminaram, mas as rusgas deixadas por elas ainda devem demorar um bom tempo para cicatrizarem. Em um dos pleitos mais polarizados na história do Brasil, com a disputa entre o candidato eleito Jair Messias Bolsonaro (PSL) e o petista Fernando Haddad mexendo com os ânimos de todo o país, a intolerância, a falta de respeito e a dificuldade em aceitar uma posição contrária prevaleceram, criando um ambiente raivoso e abrupto como poucas vezes se viu. Se a festa pela eleição de Bolsonaro levou às ruas e avenidas das grandes capitais e cidades do interior a bandeira do Brasil, camisas amarelas e um sentimento de patriotismo, o caminho até a vitória acabou marcado por capítulos nem um pouco aceitáveis.
Foi tarefa difícil não encontrar pessoas que tiveram a relação estremecida por divergências políticas entre os candidatos. E, não se trata de ambientes profissionais ou apenas em círculos de amizades, mas até dentro da própria família. A democracia parece ter sido jogada na lata do lixo na maioria das situações, com o respeito sendo deixado de lado e um misto de ódio e inconformismo tomando conta de boa parte da nação. Brigas e desentendimentos fizeram com que parentes se afastassem, amigos de longa data se desrespeitassem e até quem pouco conhecia o próximo via em uma opinião contrária motivo para não só discordar, mas criticar, humilhar, zombar, ironizar ou até levantar suspeita sobre a índole da pessoa.
As centenas de situações não foram presenciadas apenas no corpo a corpo, mas também pelas redes sociais. Comentários, postagens, conversas em grupos de WhatsApp. A intolerância sobressaiu, o discurso violento dominou boa parte da população e a impressão era a de que o brasileiro, marcado por sua irreverência, simplicidade e alegria, se transformou em alguém que não é. Ou deixou a máscara cair.
Não se discute a importância do estado democrático de direito, da liberdade de expressão e do poder de o cidadão poder agir de acordo com suas convicções, mas o que se notou nesta eleição chega a um patamar em que a reflexão é necessária.
As eleições não se tratam de um jogo de futebol em que cada torcedor defende seu time de forma cega. Não pode existir candidatos de estimação, em que eles são defendidos de qualquer forma, sem uma análise crítica em que possam ser pontuados aspectos negativos e positivos. Uma pessoa não pode ser encarada como ruim ou errada se possuir uma ideologia diferente a da outra.
A política é importante todos os dias, não apenas de quatro em quatro anos. O eleitor necessita participar de forma pacífica, coerente e lúcida, não como um alucinado, onde o fanatismo impera perante a inteligência. É hora de uma autocrítica.