sábado, novembro 23, 2024
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Mito dos heróis da República

A proclamação da República, em 15 de Novembro de 1889, foi um acontecimento curioso na História do Brasil, não só pela exclusão total da participação popular no processo, mas também pelas diversas construções de mitos em torno dela. Provavelmente a proclamação originou-se da incapacidade do regime monárquico em resolver os problemas que demandavam das profundas transformações que o país passava naquele momento, como a decadência das oligarquias agrárias, a abolição e a emancipação do negro, a imigração, a industrialização, o federalismo, etc. Há um grande debate historiográfico sobre o tema onde destacam-se Emília V. da Costa e José M. de Carvalho.

A partir da proclamação e instauração da República teve início uma corrida entre os próprios conspiradores para a elaboração de um imaginário popular, recriado dentro dos valores republicanos. Essa criação, com o intuito de legitimar seus ideais e valores é condição para qualquer regime, pois o imaginário popular atinge o povo nas suas aspirações, esperanças, medos e paixões; Estratagema comum utilizada como recurso na implantação de regimes ou novas ordens sociais.

A criação de um herói constitui fator importante na construção de um imaginário popular sob a égide do pensamento reinante. Heróis são símbolos poderosos e representam o arquétipo de valores e aspirações sociais. Dessa forma, o domínio sobre o mito do herói converte-se em domínio sobre o imaginário, manifestado na tradição escrita e oral, produção artística, etc.

Basicamente, heróis são criados de duas formas: heróis espontâneos (que naturalmente representam as aspirações de um povo, como por exemplo, o mito em torno de Ernesto ‘Che” Guevara, sempre presente no ideário revolucionário de qualquer região do ocidente); e heróis menos populares, que necessitam de uma estrutura para ascender à condição de herói, como por exemplo, as tentativas frustradas de se criar um herói para a república.

O título de fundador da República oscilou entre Benjamin Constant e Marechal Deodoro. Já o patriarca foi Quintino Bocaiúva, enquanto o salvador/consolidador foi Floriano Peixoto. Já na primeira década do século XX monumentos começaram a ser erguidos em homenagem a esses nomes, embora não houvesse consenso sobre o verdadeiro herói da república. Apesar do esforço, a construção desses heróis fracassou principalmente pela incapacidade de atingir a população em seu âmago e pelas inconsistências ideológicas desses personagens (Deodoro, por exemplo, sequer era republicano).

A solução encontrada por pensadores republicanos para maquiar a pequena densidade do evento foi buscar no passado um personagem que atendesse perfeitamente às especificações heroicas impostas pela República. Esse personagem era Tiradentes. O mineiro foi o escolhido por ser um mártir e representante do povo, não das elites. Várias construções imagéticas o compararam a Jesus Cristo, inúmeras frases de efeito foram atribuídas a Tiradentes fazendo dele um sucesso enquanto mito construído.

O debate sobre a República e sua proclamação é extenso e profundo. Este é apenas um pequeno fragmento à luz da História Social.

Felipe Heyden Bellotti, professor, pós graduando em História Social. [email protected]

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