Após um longo dia ou uma puxada semana de trabalho, para muitos, nada é melhor do que beber uma cerveja gelada. Vivemos no terceiro país que mais consome esta bebida no mundo. E em uma cidade que vê a sua história se confundir com esta iguaria milenar. No século retrasado, a cerveja mogimiriana já ganhava destaque. “Em 1865, o Visconde de Taunay provou e elogiou a cerveja mogimiriana”, evidencia o jornalista e historiador Nelson Patelli Filho.
Talvez já estivesse ali, evidenciada, a qualidade de nossa água. Das que saem das minas, das bicas. Foi através da nossa água que, não apenas a cerveja, como outras bebidas, incluindo os refrigerantes, se consolidaram como marcas registradas da cidade. E é claro que, neste sentido, podemos afirmar que a cerveja foi, por mais de um século, um expoente fabril da cidade.
A Cervejaria Mogyana foi fundada em 1898 e foi a primeira indústria de Mogi. Pertenceu a várias linhagens locais, entre elas, o Marcílio Malta Cardoso, que foi vereador, prefeito e deputado estadual. Entre 1927 e 1928, foram filmadas as imagens do filme “Mogy Mirim na Tela”, que, em determinado trecho, reproduz imagens dos funcionários da garbosa fábrica, além de cliques em etapas do processo de produção. Um luxo de obra.
A marca favorita, pelo que consta no filme, era a Cerveja Cascata. Já a produção ficava a cargo do industrial Carlos Redher. Houve um período em que a fábrica ficou fechada. Porém, de acordo com artigo escrito por Rosana Bronzatto, no Jornal A Comarca, em 1932, foi reaberta pelos senhores Otto Simaneck, Humberto Mattioti e Antônio Missaglia.
Em 1938, a Mogyana registra a Cerveja Doce, no Registro de Marcas e Patentes. Mas, a principal marca da então Cervejaria Mogyana Ltda era mesmo a Inglesinha. Uma cerveja escura, do tipo stout e que reverenciava as versões britânicas da bebida. A Inglesinha foi a primeira cerveja escura em lata do Brasil, fabricada em folha de fladres e com capacidade de 355ml.
“Nas décadas de 40 e 50 do século passado, a Cervejaria Mogyana, administrada pelo Comendador Humberto Mateotti fabricava a famosa Inglesinha, cerveja preta de excelente sabor e qualidades medicinais. Havia muita gente que tomava essa cerveja batida com ovos, garantindo que curava muitos males do corpo e grande tonificante do organismo”, relatou Patelli Filho.
Na década de 1950, por exemplo, tinha a sua distribuição garantida através da Distribuidora de Bebidas Butantã, situada na Rua Agostinho Cantú, em São Paulo. Sua marca era exposta em jornais de grande circulação, como o Diário da Noite e o Correio Paulistano.
A Mogyana foi, por muito tempo, a maior indústria da cidade, empregando muita gente, inclusive crianças e senhoras. “Propiciava empregos indiretos para pedreiros, serventes e pintores. Quando um cidadão se tornava empregado da Cervejaria Mogyana era como se tivesse ganhado na loteria”, destacou Patelli.

Posteriormente, como conta Rosana, Amucce Truffi adquiriu primeiramente a cota de Simaneck e depois, as cotas dos demais sócios, tornando-se o responsável pela fábrica, juntamente com seu filho e o genro. Na década de 1980, a história começa a ganhar novo rumo. A fábrica passou, primeiro à Kaiser, depois à Cintra e, por último, à Ambev, que fechou a produção e transformou a área em um centro de distribuição, em 2009.
Da Kaiser à Ambev: a Mogyana sai de cena
Em 1982, a Cervejaria Kaiser investe na aquisição da Mogyana. “A fábrica foi comprada por Maurilio Biagi Filho quando este era executivo da Companhia Ipiranga de Bebidas (engarrafadora de Coca-Cola em Ribeirão Preto). No ano seguinte teve início a produção da Kaiser não apenas em Mogi Mirim, como também em Nova Iguaçu-RJ.
Foram 15 anos de uma movimentação diferente, com a cerveja mogimiriana, mesmo que não mais com puras raízes locais, ganhando projeção nacional e até internacional. O parque fabril foi ampliado, com inúmeras doações de área por parte da Prefeitura, com aval da Câmara Municipal. A área, que chegou a ter como referência principal a Avenida Dr. Jorge Tibiriçá e a Avenida Adib Chaib como o ponto de melhor visão de seu parque fabril, mudou a entrada para a João Finazzi.
O terreno, com sua parte mais portentosa situada próxima à atual Estação Educação, ganhou novos proprietários no fim da década de 1990. Em abril de 1997, a Folha de São Paulo trazia o título: “Kaiser fecha unidade e demite 147”. Na reportagem, a informação de que a Kaiser encerrara as atividades de sua unidade em Mogi Mirim e demitira 147 funcionários. “Segundo o vice-presidente de assuntos corporativos da empresa, Carlos Eduardo Jardim, a fábrica fica na região urbana, o que impede a ampliação da unidade ou o investimento em tecnologia. A unidade, a segunda inaugurada pela Kaiser, em 1983, produzia 5,42% da capacidade de produção total da empresa”, noticiou a Folha.

Em setembro do mesmo ano, o Grupo Cintra, com atuação em diferentes áreas como petróleo, imobiliária, energia elétrica e água mineral comprou da Cervejaria Kaiser a fábrica de Mogi Mirim. A empresa chegou por aqui após encontrar pouco espaço para crescer no mercado europeu. A compra da fábrica em Mogi foi o primeiro passo. No fim de março de 2002, inaugurou uma unidade em Piraí (RJ). Gastou US$ 132 milhões.
Porém, no final de março de 2007, a Cintra vendeu para a Ambev suas unidades de Piraí e Mogi Mirim (apenas os ativos, não a marca), por US$ 150 milhões. Juntas, as duas fábricas tinham capacidade de produção de 420 milhões de litros de cerveja e 280 milhões de litros de refrigerante por ano. A marca Cintra foi adquirida no ano seguinte, pela cervejaria Schincariol, que, por sua vez foi comprada pela Brasil Kirin, e que, algum tempo depois passou para as mãos da Heineken. A Cintra, consequentemente, hoje pertence ao portfólio da Heineken.
Neste giro de proprietários e vítima da selvageria do capitalismo, a centenária cervejaria teve a triste notícia da paralisação de sua produção em 27 de fevereiro de 2009. O Jornal O Estado de S. Paulo publicou. “A Ambev anunciou nesta sexta-feira, 27, que está encerrando suas atividades na fábrica de Mogi Mirim, interior da capital paulista, e transferindo a capacidade de produção total da unidade para as fábricas de Jacareí, Guarulhos e Jaguariúna”.
Do total de 166 funcionários da unidade, 20 foram transferidos para outras filiais do Estado e 146 desligados. “De acordo com a assessoria de imprensa da Ambev, o fechamento da fábrica em Mogi Mirim não está relacionado à crise que afetou várias empresas no Brasil e no mundo. Essa fábrica era a menor da Ambev e para otimizar a cadeia produtiva foi transferida para outras unidades”.
Ou seja, a trajetória dourada da primeira indústria local, marcada pela produção de uma das melhores cervejas escuras de todos os tempos no país, estava encerrada. Hoje, a área serve como local de distribuição e logística para a Ambev. Não mais para a produção de uma das iguarias mais marcantes em dois séculos e meio de Mogi Mirim.
Sauber mantém a linhagem da Inglesinha

Se em escala industrial a produção de cerveja em Mogi Mirim ficou para a história, quando o assunto é artesanal a realidade é outra. São muitos os que fabricam a sua própria cerveja. Muitos transformaram o hobby em ofício. É o caso da Sauber Beer, criada em 2009 pelo engenheiro químico Renato Marquetti Júnior, nas Chácaras São Marcelo.
Em mais de uma década de desenvolvimento, a cervejaria gerou um variado cardápio da bebida, com rótulos exóticos, tendo, por muito tempo, como principal referência, a Sauber Pumpkin Ale. De origem americana, a cerveja avermelhada é feita com abóbora e já ganhou medalha em festival cervejeiro.
O empresário conta que tem produzido cerveja para terceiros, chamados de “ciganos”, com receita criada por eles. A Sauber também personaliza vários rótulos para bares e restaurantes. “O mesmo ocorre para festas de aniversário, casamento e mesmo para empresas usarem como brindes”, revela.
Atualmente, seguindo uma tendência de mercado, a cervejaria tem algumas marcas mais leves, com teor alcoólico reduzido. Todo este cenário de invenção e reinvenção tem, é claro, um fator motivador que marca nossa terra há décadas.
“Sem dúvida fomos influenciados por sermos a primeira produção em maior escala após a Inglesinha. As conexões com eles, Sebrae, Revolução de 32, entre outros, acabaram nos ajudando como se estivéssemos dando uma continuidade à fama de Mogi Mirim”. E que fama, amigos. Neste feriadão, um brinde. E quem sabe uma gelada genuinamente mogimiriana