Quem não quer ter opinião? Vivemos na era do “blá, blá, blá”, ou, na sua versão mais acabada, do “mi, mi, mi”. Está todo mundo engajado, consciente e pronto para sair em passeata. Há sempre um argumento baratinho voando por aí, agarre o seu, compre um slogan, escreva um cartaz. Para todas as suscetibilidades tem sempre uma pronta-reclamação, um grupelho, nem que seja um site na internet. Aliás, a internet é o lugar perfeito para os especialistas da opinião, e eles se digladiam dando aulas memoráveis em comentários do facebook, disputando cada curtida, cada novo amigo adicionado. O “feed de notícias” é a sua melhor fonte, fuja de bibliotecas. A vida é curta amigo, corra logo atrás da sua tribo.
Num mundo assim fica difícil não ter opinião. Dizer, por exemplo, que sobre um assunto não tem nada a dizer. É pior que acender um cigarro. Se lhe ocorre pedir um tempo para estudar a matéria, imediatamente será alvo das piores hostilidades e deboches. É muito provável que apareça algum vídeo no youtube ridicularizando o sujeito careta que resolveu estudar para dar pitaco em assuntos gerais da vida.
Caretice é pior que jogar lixo fora do latão. Pior que maltratar a jabuticaba do seu quintal. Só não é pior que deixar seu cão sem roupinha no inverno, isso é imperdoável e dá cadeia. Mas, como eu dizia, todo mundo quer ser descontraído, descolado e engraçado. Portanto, cola bem dar opiniões em tom de esculacho. Só assim levarão você a sério.
Outro jeito bom de dar opinião é apelar para as lágrimas. Isso conquista platéias. Conte uma dor pessoal, uma experiência difícil, seja vítima de alguma tragédia. Agregue (sim, a apalavra é “agregar”) ao seu discurso uma história de superação. Se a sua vida for ordinária demais, invente algo, senão será visto como alguém suspeito, um playboy mimado, um pobre alienado ou, pior, um frio capitalista. Atenção! Agora ingressamos num ponto essencial.
Não importa de que lado esteja, nem o tipo de opinião que arranjou, sempre, sempre, absolutamente sempre, fale mal do capitalismo. Isto é tão óbvio que incomoda ter que dizê-lo. Mas, enfim, por segurança, fica dito. Fale mal do capital em nome do social. Abuse da igualdade em nome da justiça. Seja um bom menino.
Há certos temas que não convém inventar. Se puder, melhor evitar. Apenas engrosse o coro. Não pense em apreciações sutis, em aproximações cuidadosas, em detalhes essenciais à compreensão das questões em debate. Lembre-se: sem caretices. Repita e pronto. Cante o chavão, levante a bandeira e não perca as balizas do politicamente correto. Você será um cara legal e não vai correr nenhum risco de apanhar, ser desmoralizado ou preso. Nesta fase você já deveria saber: nem toda expressão é livre na nossa democracia, há algumas mais livres do que outras. Sim, é verdade, seu professor mentiu para você. Já está na hora de crescer.
Falando em crescer, é sinal de grande maturidade ter opiniões ponderadas. Meça suas posições. Se vai com a minoria no assunto “x”, abrace a maioria no assunto “y”. Não seja chato, nem exagere nas críticas. Se, por exemplo, seu gosto musical é exigente e você odeia algum estilo popular, convém ler um best seller ou, ao menos, adotar um programa de tv. Se for conservador na política, libere geral nos costumes. Se for de esquerda, cultive alguma espiritualidade.
Evite os extremos, não seja radical. Seja light. Na dúvida, defenda os animais, ame a ecologia e a diversidade, denuncie o último esquema de corrupção e fale sempre mal do governo. São opiniões testadas, falha zero, tiro certo. Você ganhará créditos de confiabilidade e não será tão ruim assim.
Mas cuidado! Jamais se atreva a considerar em público a sua opinião melhor do que a dos outros, ainda que esteja honestamente convencido disto. Você pode até discordar, mas jamais com a pretensão de ter razão, muito menos de procurar a verdade. Respeite o juízo alheio, toda opinião tem o mesmo valor, não importa de onde veio, nem onde se formou. Então, aproveite, opine à vontade, ninguém lhe cobrará responsabilidades.
A não ser que diga algo inteligente, que possa humilhar a ignorância de alguém. Por isso, insisto: evite os livros, não corra o risco de ficar culto. De culto para careta é um passo. Zele pelas suas opiniões ou vai acabar perdendo todas elas.
João Marcelo Sarkis, advogado, gestor do núcleo de Direito do IFECampinas. e-mail: [email protected]