A organização da sociedade implica em um partilha de responsabilidades que leve a todos, indistintamente, a cesta de direitos elementares como educação, saúde, trabalho, segurança e moradia, de forma a garantir a sobrevivência digna e igualitária. É dever constitucional do Estado prover o atendimento a estas necessidades, arrecadando através de impostos e tributos a receita que deveria ser investida no serviço público de qualidade, e não sustentar um sistema incompetente, corrompido e ineficiente.
A verdadeira distribuição de renda se dá pela segurança social que deve ser estendida a todos os indivíduos, através dos programas oficiais e do acesso a um padrão de serviços elevado. No Brasil, as desigualdades criam um abismo que deriva da inobservância dos preceitos institucionais, condenando milhões a uma existência de penúria, ignorância e submissão eleitoral.
Em todos os lugares, os cidadãos da periferia do sistema sofrem as agruras de um atendimento diferenciado, eivado de preconceito, sem referências de qualidade, quase uma esmola que lhes é oferecida como um favor. A periferia social não é exatamente geográfica, mas é perfeitamente caracterizada pela distância dos direitos fundamentais e essenciais, fruto da omissão do Estado e de um sistema que privilegia os ricos e influentes.
Na semana passada, uma pessoa residente no Parque das Laranjeiras, em Mogi Mirim, ficou um longo tempo sem o socorro de uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), sob alegação de que o veículo poderia atolar na rua esburacada. O fato revoltou os moradores próximos, que temiam pela vida do paciente e comentaram o descaso da equipe de socorro. Embora se reconheça que o fato é isolado dentro do procedimento padrão das equipes do Samu, o caso se torna emblemático para ilustrar a distância que o cidadão comum tem de seus direitos, seja pela dificuldade de frequentar uma escola de qualidade, de ter direito a uma moradia digna, de não ter trabalho, ou simplesmente morar em uma rua intransitável na extrema periferia urbana do município.
Felizmente, o atendimento chegou a bom termo, até pela dedicação dos atendentes. Mas fica a imagem do despreparo para uma situação de emergência e da sempre presente omissão da Administração, que ano após ano não consegue equacionar uma solução para um bairro maltratado desde sua formação, formado por uma população que é o retrato finalizado do cidadão distante de seus direitos.