Gaudêncio Torquato*
A escalada de tensões entre os três poderes, uma economia rota e sem horizontes definidos, reformas encalhadas no Congresso e um presidente que insiste no confronto com ministros do STF e outros ingredientes incandescentes deixam a maioria da sociedade brasileira atônita. Seriam sinais de um golpe à vista para manter Bolsonaro e seus militares amigos no centro do poder, a exemplo de um Hugo Chávez?
Esses sinais são cada vez mais intensos depois da narrativa dos mais altos assessores do presidente, principalmente aqueles com história nas Forças Armadas. O general Heleno acaba de dizer que um golpe não está fora dos horizontes, claro, sob a ressalva de que um evento inusitado como esse carece do manto de alta gravidade.
Falar, lembrar, referir-se ao golpe, sob a alegação de que, em momento como esse, as Forças Armadas estariam cumprindo papel moderador, em caso de impasse e tensão entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é mais que um simples ensaio interpretativo. Impasse institucional?
Tensão entre os poderes é o que não falta para apimentar o caldo golpista. Mas a pimenta vem da sementeira do presidente. Apesar de se prever arrefecimento em suas investidas, os sinais são de que Bolsonaro pode recuar agora para voltar mais adiante.
Difícil é sustentar um duelo verbal até o próximo ano. Bolsonaro vai precisar do Senado e da Câmara para fazer passar sua pauta. Que condição se apontaria para um golpe? Uma estrondosa vitória de Lula e ruas tomadas por grupelhos gritando palavras de ordem não aceitáveis pelas Forças Armadas? Clima de convulsão social ou apenas argumento para pôr tropas nas ruas? O Legislativo daria guarida a uma armação como essa? E o Judiciário ficaria apenas na observação?
Os talibãs do petismo, agora restritos, não teriam condições de voltar com suas bandeiras adornadas com os apetrechos do socialismo clássico. As classes médias têm, sim, condição de sustar um posicionamento radical que implique a tentativa de golpe.
Um caldo golpista está cada vez mais claro nas palavras de Bolsonaro. Mas um alento vem com o muro da resistência cada vez mais forte contra esta ameaça, a partir do Judiciário (de ministros que não se curvam aos impropérios do presidente), e de parte da sociedade organizada, como se viu no manifesto de mais de cinco mil empresários, economistas, intelectuais e outros contingentes formadores de opinião.
O fato é que a popularidade de Bolsonaro vai desabando ao longo do tempo. Resta saber se restará força para um segundo mandato em outubro de 2022. Ou então o muro da resistência vai assegurar uma era de paz e prosperidade, sem a participação dos extremistas de esquerda e de direita.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP