sábado, novembro 23, 2024
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O paradoxo do mentiroso

Eubulides, aluno de Euclides, o matemático de Alexandria, no Egito, também conhecido como pai da Geometria, marca presença em nossa árida paisagem institucional. Ele criou o “paradoxo do mentiroso”, que tem sido lume de bandas adversárias na arena política, impulsionando seus ditos, benditos e malditos, mentiras e versões.

Vamos lá: se alguém – parlamentar, governante, ministro, ex-ministro – disser “essa afirmação é falsa”, tende a criar grande confusão, porque um paradoxo se forma na cabeça dos ouvintes. Se a afirmação for falsa, então o dito do emissor é verdadeiro, pois foi exatamente o que ele disse. Mas se ele falou uma grande verdade, a afirmação será falsa, porque ele garantiu que era falsa.

Donde se conclui que se é falsa, a afirmação do orador é verdadeira; e se é verdadeira, segue-se que a afirmação é falsa. Lógica simples. Os argumentos usados pelos integrantes da CPI da Covid-19 dão margem a que, uns e outros, ancorados em afirmações falsas e verdadeiras, mudem de posição a todo o momento, trocando com grande desembaraço os papéis de bandidos e mocinhos.

O fato é que cada protagonista da política quer aparecer como vitorioso. E corajoso. Luta para impor sua verdade, esforço que ganhará intensidade à medida que se aproxima o ano eleitoral. Afinal, no Estado-Espetáculo, os atores sabem que a lei da visibilidade recomenda aparecer de qualquer maneira, sob a fosforescência dos meios de comunicação e, agora, das redes sociais.

A lição que aprendem com rapidez é a do Breviário dos Políticos, do preceptor de Luís XIV, o cardeal Mazarino, onde se leem estes conselhos: “Simula, dissimula. Mostra-te amigo de todo mundo, conversa com todo mundo, inclusive com aqueles que odeias; eles te ensinarão a circunspeção… quando tiveres que escolher entre duas vias de ação, prefere a facilidade à grandeza com todos os aborrecimentos que ela comporta.

Não confies em ninguém. Quando alguém fala bem de ti, podes estar certo de que ele te escarnece. O velhaco manifesta-se ora a favor ora contra o mesmo assunto, dependendo das circunstâncias. Os amigos não existem, há apenas pessoas que fingem amizade”.

A base amoral da política se alarga em todos os quadrantes do planeta, mesmo que estejamos vivenciando um ciclo de maior transparência e elevação da cidadania. Ocorre que as malhas intestinas do Estado, por maior que sejam os controles – Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União, Advocacia Geral da União, Tribunais de Contas de Estados e Municípios – continuam como berço predileto das gangues da corrupção, formadas sob o triângulo composto pela burocracia, a esfera política e os círculos de negócios.

* Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP

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