Tenho por ofício escrever o tempo que vivo. Tenho por dignidade escrever o que aprendi a respeito de entender o que faço por aqui, vivo, e tentando entender a vida que tenho, e levo, sem dissabores, e, principalmente, agradecendo a tantos poetas e artistas que me alegram a vida, sem contar com os lavradores que plantam o alimento que compro em supermercados, em ambiente refrigerado e tão fácil de ser apanhado em gôndolas confortáveis.
Recentemente, um cirurgião de pescoço e cabeça (assim se manifesta a sua especialidade) retirou da minha mandíbula direita um queratocisto odontogênico e, desde então, venho me alimentando de alimento pastoso e, acredite, entendendo o paladar de lagartas, baratas e moscas, seres que, para nós, os humanos, são repelentes, mas que possuem glândulas que secretam humores ácidos para dissolver o que os alimenta.
A diferença que nos separa é que a Betinha, a moça que manda em mim, é uma excelente cozinheira e prepara meu prato com ervas e cozimento que atingem a perfeição de uma obra de arte. Sou humano e sou diferente de uma barata, de uma mosca ou de um estreptococo qualquer. Daí conseguir sobreviver e me enternecer com tal qualidade de alimento e sentir que também a Arte pode ser deglutida.
Dias atrás, manifestantes – provavelmente veganistas – invadiram o Instituto Royal (um dos maiores centros de pesquisas farmacêuticas da América Latina), destruíram salas de laboratórios e de lá furtaram mais de uma centena de beagles e coelhos, deixando para trás ratos e camundongos. Besgles e coelhos, é certo, são mais simpáticos que ratos e camundongos. E assim segue uma nova ordem de manifestação popular. Sempre, é claro, com a participação dos terroristas black bloc, nesse caso, como convidados de honra.
Sou humano e sinto dor. Sou um animal senciente; além da dor tenho também a sensação do prazer. E quando estive internado um enfermeiro sempre vinha me aplicar uma dose de analgésico que, é claro, foi testado antes em algum beagle, rato, camundongo, macaco ou num preá, o simpático roedor que o compositor e pianista Laércio de Freitas homenageou no clássico Capim Gordura.
Falo assim por falar de uma coisa boba que acontece todos os dias e que nos aflige: a dor e o prazer. Essa gente que destrói laboratório que pesquisa remédios para nos aliviar de enxaquecas, gripes, inflamações, infecções e cânceres necessita de cadeia ou de camisa-de-força. Ou que pelo menos assumam suas verdades e deixem de tomar remédios que foram testados em animais; e que procurem ajuda de pajés e benzedeiras veganos, especialistas em tirar a vida das inocentes plantas que enfeitam as matas e hortas brasileiras.
A vida é feita de dor e prazer. E prazer maior é o orgasmo, que faz tudo o que é vivo procriar e manter a sua espécie. Vale para os humanos, vale para a barata, aos vegetais e, também, às bactérias, aos fungos e aos estreptococos. Mas a poesia é a dos humanos, essa dor de entender o mundo, fazendo música, pintando quadros, inventando histórias, criando guerras, sempre em nome de Deus, o eterno manipulado, ou fazendo novela para entreter a angústia dos homens que precisam dos bichos para seguir vivendo.
O fato é que os novos tempos do politicamente correto estão prevalecendo sobre a vida dos humanos; tanto que, como está escrito no nosso Código Penal, quem abandonar (ou maltratar) um animal pode receber uma pena maior que o abandono ou morte de uma criança. E salve o aborto e os estreptocos. Ou: você conhece a Anedota Búlgara, do Carlos Drummond de Andrade? É assim: “Era uma vez um czar naturalista que caçava homens./ Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,/ ficou muito espantado/ e achou uma barbaridade”.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico
Tenho por ofício escrever o tempo que vivo. Tenho por dignidade escrever o que aprendi a respeito de entender o que faço por aqui, vivo, e tentando entender a vida que tenho, e levo, sem dissabores, e, principalmente, agradecendo a tantos poetas e artistas que me alegram a vida, sem contar com os lavradores que plantam o alimento que compro em supermercados, em ambiente refrigerado e tão fácil de ser apanhado em gôndolas confortáveis.
Recentemente, um cirurgião de pescoço e cabeça (assim se manifesta a sua especialidade) retirou da minha mandíbula direita um queratocisto odontogênico e, desde então, venho me alimentando de alimento pastoso e, acredite, entendendo o paladar de lagartas, baratas e moscas, seres que, para nós, os humanos, são repelentes, mas que possuem glândulas que secretam humores ácidos para dissolver o que os alimenta. A diferença que nos separa é que a Betinha, a moça que manda em mim, é uma excelente cozinheira e prepara meu prato com ervas e cozimento que atingem a perfeição de uma obra de arte. Sou humano e sou diferente de uma barata, de uma mosca ou de um estreptococo qualquer. Daí conseguir sobreviver e me enternecer com tal qualidade de alimento e sentir que também a Arte pode ser deglutida.
Dias atrás, manifestantes – provavelmente veganistas – invadiram o Instituto Royal (um dos maiores centros de pesquisas farmacêuticas da América Latina), destruíram salas de laboratórios e de lá furtaram mais de uma centena de beagles e coelhos, deixando para trás ratos e camundongos. Besgles e coelhos, é certo, são mais simpáticos que ratos e camundongos. E assim segue uma nova ordem de manifestação popular. Sempre, é claro, com a participação dos terroristas black bloc, nesse caso, como convidados de honra.
Sou humano e sinto dor. Sou um animal senciente; além da dor tenho também a sensação do prazer. E quando estive internado um enfermeiro sempre vinha me aplicar uma dose de analgésico que, é claro, foi testado antes em algum beagle, rato, camundongo, macaco ou num preá, o simpático roedor que o compositor e pianista Laércio de Freitas homenageou no clássico Capim Gordura.
Falo assim por falar de uma coisa boba que acontece todos os dias e que nos aflige: a dor e o prazer. Essa gente que destrói laboratório que pesquisa remédios para nos aliviar de enxaquecas, gripes, inflamações, infecções e cânceres necessita de cadeia ou de camisa-de-força. Ou que pelo menos assumam suas verdades e deixem de tomar remédios que foram testados em animais; e que procurem ajuda de pajés e benzedeiras veganos, especialistas em tirar a vida das inocentes plantas que enfeitam as matas e hortas brasileiras.
A vida é feita de dor e prazer. E prazer maior é o orgasmo, que faz tudo o que é vivo procriar e manter a sua espécie. Vale para os humanos, vale para a barata, aos vegetais e, também, às bactérias, aos fungos e aos estreptococos. Mas a poesia é a dos humanos, essa dor de entender o mundo, fazendo música, pintando quadros, inventando histórias, criando guerras, sempre em nome de Deus, o eterno manipulado, ou fazendo novela para entreter a angústia dos homens que precisam dos bichos para seguir vivendo. O fato é que os novos tempos do politicamente correto estão prevalecendo sobre a vida dos humanos; tanto que, como está escrito no nosso Código Penal, quem abandonar (ou maltratar) um animal pode receber uma pena maior que o abandono ou morte de uma criança. E salve o aborto e os estreptocos. Ou: você conhece a Anedota Búlgara, do Carlos Drummond de Andrade? É assim: “Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens./ Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,/ ficou muito espantado/ e achou uma barbaridade”.
Bom dia.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico