Quem poderia imaginar uma serpente tornando-se amiga de um hamster, depois de recusar a comê-lo como refeição? Vivem juntos num zoológico do Japão. Situações fantásticas no mundo animal chamam a atenção pelo inusitado. No mundo dos humanos, a fenomenologia no campo dos relacionamentos não fica atrás, plena que é de histórias bonitas e feias, ou, simplesmente, risíveis. Mas o que chama a atenção é o casamento, mesmo provisório, dos bichos que povoam o território da política.
A expressão “bichos”, usada de forma coloquial no mundo dos humanos, particularmente no tratamento entre amigos, cai bem nos partidos políticos tupiniquins. Identificado como o hábitat de seres inodoros e insossos, o zoológico partidário brasileiro abre as portas para deixar ver a liturgia dos casamentos mais exóticos de sua população: cobra-d’água com jacaré, elefante com zebra.
Desnaturada de sua essência, a política ajusta-se ao figurino de alcançar “o poder pelo poder”, rompendo os eixos que a edificam como um empreendimento do bem comum. Nunca se viu uma colcha eleitoral com tantos retalhos como os de hoje, unindo nos Estados opostos no plano federal.
Quem acredita no argumento de um candidato de que seus partidos podem formar alianças com os contrários nas unidades federativas? Acabam sendo carimbados como “farinha do mesmo saco”. O PSB, de Eduardo Campos, fazendo aliança com os candidatos dos adversários PT e PSDB, no Rio de Janeiro e em São Paulo, desmancha qualquer esforço para situá-lo como alternativa de mudança na política. Esse é apenas um caso estrambótico entre muitos, a denotar que o campo da política não passa de um deserto de ideias.
A falta de coerência na política, visível em ciclos de eleições, resulta na inconsistência doutrinária de uma infinidade de siglas; no precário sistema de coligação ora vigente; em frouxas regras eleitorais; enfim, na teia de despolitização e desideologização que cobre o amorfo corpo político. O que leva a representação a desprezar o escopo moral e ético que deveria ser o lume?
Há de se admitir que a contemporaneidade política tem se desenvolvido sob a degradação dos mecanismos tradicionais da democracia liberal, a partir do declínio de ideologias e partidos, situação que resultou no desaparecimento dos partidos de massa e consequente emergência de entes amorfos.
O jogo político menos contrastado ganha reforço com o desvanecimento do antagonismo de classes, o arrefecimento das bases, a ascensão das estruturas técnicas e burocráticas, o declínio dos parlamentos e a dispersão das oposições. Esse conjunto de questões desloca a política para outros espaços. Ante a paisagem devastada na seara tradicional da política, não lhe resta alternativa senão a de reencontrar o rumo.
Para tanto, urge um pacto entre núcleos políticos, forças partidárias e Poderes da República para tapar os buracos nos vãos das instituições e ajustar as ferramentas da política. Se assim for acordado, a atual campanha será a última da era do casamento da raposa com o leão.
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato