O Neto sempre foi um menino que caía bastante e trombava com tudo quando era pequeno. Nós achávamos que isso acontecia por ele ser muito tranquilo e desligado. Até que, lá pelos seis anos, o levei ao oftalmologista para uma consulta de rotina. Na verdade, levei a Gabi, porque ela estava aprendendo a ler e, quando se tem dois filhos, normal aproveitar viagem.
Lembro como se fosse hoje, na primeira máquina que o médico o colocou, já notou que havia algo errado. A situação ficou pior quando foi para aquelas letras refletidas na parede: de seis, ele via duas e completamente fora de ordem. Fisicamente, não é nada grave, apenas um astigmatismo. A questão é que saí do consultório arrasada, me sentindo péssima.
Foram seis anos que eu nunca, nunquinha percebi que ele não enxergava. A única pista que tinha dado foi uma vez que estávamos folhando uma revista na cama e, quando perguntamos as letras, disse que não conseguia ver. Porém, dada a circunstância do momento, achamos mais que a resposta tinha como fundo um “não sei” do que de fato um “não vejo”.
Sabendo do ocorrido, no dia seguinte a professora me ligou pedindo desculpa, disse que por duas vezes o havia feito refazer o desenho pintado fora da margem. Imagina! Se eu que sou a mãe nunca tinha me dado conta, como é que poderia cobrar isso dela? Ainda mais que o “problema” dele é pior à noite e de longe, duas coisas que aconteciam pouco já que a lição de casa era só uma vez na semana e a lousa não era usada. No fundo, guardei a dedicação dela em ensiná-lo sobre capricho.
Veja, grau não é alto, menos de dois, mas a importância dos óculos sim. Achei que seria comum que ele esquecesse de levar para a escola, que perdesse, derrubasse, riscasse… mas nada! Muito pelo contrário, foi tão significativo que passou a ser continuidade do rosto dele. Acho que é o objeto de mais estima que tem.
E fomos aprendendo com o caminho. Teve um jogo de futebol, lá pelos nove anos, que o Neto deixou passar um gol pronto. Na torcida, percebi que ele não tinha enxergado a bola, mas no calor da disputa, o professor não. Dias depois me mandou uma mensagem com pedido de desculpas. Não tinha a obrigação! Foi ali que notamos que seria útil óculos específico para o esporte, não dava para ser sem.
Agora, com 16 anos, estamos experimentando as lentes de contato. Por enquanto só usa quando a irmã coloca, o que acho o máximo. O mais engraçado é que acostumamos tanto com a armação no rosto que é estranho demais vê-lo sem, inclusive para ele. Talvez isso aconteça mais pelo simbolismo: os óculos sempre foram um objeto de carinho e afeto. Ele sempre esteve carregado de coisas boas, foi gerador de intimidade em nossa relação.
São nos detalhes que a vida vai acontecendo. Como já disse em outras vezes, a dificuldade é prestar atenção aos detalhes quando o relógio da vida corre desenfreado. Não é difícil baixar e falar com a criança na altura dela, olhando nos olhos. O difícil é recuperar o fôlego para fazer isso com a calma que a situação pede.