O ano que se inicia será um dos mais competitivos das últimas décadas, principalmente na esfera política. As razões apontam para o esgotamento do nosso modelo de fazer política, a partir de velhas práticas de campanhas eleitorais. A impressão final é a de que o retrato desfigurado está a merecer urgente retoque. Fichas-sujas, por exemplo, não podem continuar no mapa eleitoral.
Os ingredientes que entrarão na composição da nova tintura hão de absorver a química de setores e categorias mais participativas, exigentes e dispostas a enfrentar a resistência de defensores de obsoleta arquitetura política. A coletividade parece descer do céu da abstração para ser uma força na paisagem.
O curto dicionário abaixo poderá servir de baliza para milhares de candidatos na tentativa de aprimorar suas relações com a comunidade nacional.
Estado e nação – O Estado, infelizmente, está bastante distante da nação com que os cidadãos sonham. A nação é a pátria que acolhe os filhos; é o hábitat onde as pessoas constroem os pilares da existência. O Estado é a entidade técnico-jurídica, com seu arcabouço de Poderes, pressionada por interesses díspares e dividida por conflitos. Aproximar o Estado da nação, formando o espírito nacional, constitui a missão basilar da política.
Representação – A representação política é missão, não profissão. A política não é um balcão de negócios. Um representante do povo se preocupa com metas, programas permanentes, medidas estruturantes.
Identidade – A identidade é a coluna vertebral de um político. É a soma de sua história, de seu pensamento, de suas percepções e de seus feitos.
Discurso – O discurso deve abrigar propostas concretas, viáveis, simples. E, sobretudo, factíveis. A população dispõe de entidades que a representam. Resta ao político procurar tal universo.
Grito das ruas – O grito das ruas faz-se ouvir nos espaços dos Poderes em todas as instâncias. Expressam a vontade de uma nova ordem social e política. Urge abrir os ouvidos e a mente para interpretar o significado de cada movimento.
Sabedoria – Sabedoria não significa vivacidade. Mescla aprendizagem, compromisso, equilíbrio, busca de conhecimentos, capacidade de convivência, racionalidade. Não é populismo.
Transparência – A era do esconderijo está agônica. Esconder (mal)feitos é um perigo. A corrupção, mesmo dando sinais de sobrevida, é atacada em muitas frentes. Grandes figuras foram (e continuarão a ser) punidas. O público e o privado começam a ter limites controlados.
Simplicidade – Despojamento, eis um apreciado conceito. Ser simples não é pegar crianças no colo, comer cachorro-quente na esquina ou gesticular para famílias nas calçadas. A simplicidade está no ato de pensar, dizer e agir com naturalidade. Sem artimanhas nem maquiagens.
Lição final do filósofo e sociólogo José Ingenieros: “Cem políticos torpes, juntos, não valem um estadista genial”.
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato