A História mundial está repleta de exemplos inspiradores. E a saga brasileira, também. Os defeitos pessoais e as limitações humanas dos homens públicos, inevitáveis e recorrentes como as chuvas de verão, não matavam a política.
Hoje, no entanto, assistimos ao advento da pornopolítica. A vida pública, com raras e contadas exceções, se transformou num espaço mafioso, numa avenida transitada por governantes corruptos, políticos cínicos e gangues especializadas no assalto ao dinheiro público.
Os protestos que tomam conta das cidades, precisam ser interpretados à luz da corrupção epidêmica, da impunidade cínica e da incompetência absoluta da gestão pública.
A violência “blackbloc”, equivocadamente, visa chamar atenção de um Estado ausente. É a conclusão a que chegaram os pesquisadores Esther Solano, professora de relações internacionais da Unifesp, e Rafael Alcadipani, professor de estudos organizacionais da FGV-EASP, em recente matéria especial para o jornal Folha de S.Paulo.
A pesquisa consistiu em acompanhar de perto as manifestações, observar, perguntar, conversar com pessoas que utilizam a tática “blackbloc”, policiais e membros da imprensa. O universo “Blackbloc” é composto por jovens que estão na faixa etária entre 17 e 25 anos. São de classe média baixa, a maioria trabalha, alguns formados ou se formando em universidades particulares.
Das conversas que tiveram, e das observações que realizaram, ficou claro que para estes jovens a violência simbólica funciona como uma forma de se expressar socialmente, um elemento provocador que tem o intuito de captar a atenção de um Estado percebido como totalmente ausente.
O uso da violência simbólica também serve, na versão deles, para induzir a sociedade a refletir sobre a necessidade de uma mudança sistêmica: “protesto pacífico não adianta nada, só com violência que o governo enxerga nossa revolta”, a intenção é transgredir, incomodar, deixar visibilidade, chamar para um debate. Exemplos de frases que retratam isso são: “a causa do ‘blackblock’ agir é o descaso público. As pessoas estão sendo torturadas psicologicamente pelo cotidiano, não somos vândalos, vândalo é o Estado que deixa as pessoas horas esperando na fila do SUS”.
A pesquisa cumpriu um papel importante. Procurou entender o que se passa na cabeça do pessoal e decodificar o seu recado. A violência, não obstante eventuais matizes ideológicos e fortes marcas de vandalismo antissocial, está intimamente relacionada com uma percepção de que o Estado está na contramão da sociedade.
O cidadão paga impostos extorsivos e o retorno dos governos é quase zero. Tudo o que depende do Estado funciona mal. Educação, saúde, segurança, transporte são incompatíveis com o tamanho e a importância do Brasil. Os gastos públicos aumentam assustadoramente. O número de ministérios é uma piada.
A corrupção rola solta. A percepção de impunidade é muito forte. A situação do julgamento do mensalão, independentemente das razões técnicas que fundamentaram alguns votos, transmitiu ao cidadão médio a convicção de que a lei não vale para todos. Estão conseguindo demonizar a política e, consequentemente, empurrando a democracia para uma zona de risco. Os governantes precisam acordar.
As vozes das ruas, nas suas manifestações legítimas e mesmo nos seus excessos, esperam uma resposta efetiva e não um discurso marqueteiro. A crise que está aí é brava. A gordura dos anos de bonança acabou. A realidade está gritando no bolso e na frustração das pessoas. E não há marketing que supere a força inescapável dos fatos. O governo pode perder o controle da situação.
Transparência nos negócios públicos, ética, boa gestão e competência são as principais demandas da sociedade. Memória e voto consciente compõem a melhor receita para satisfazê-las. Devemos condenar a violência “blackbloc”. Sem dúvida. Mas devemos também bater forte na pornopolítica. Ela está na raiz da espiral de violência que sequestra a esperança dos jovens e ameaça nossa democracia.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais – IICS e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia