As manchetes não deixam dúvidas. Há uma grande chance de um racionamento duplo, algo parcialmente cotidiano aos paulistanos e o sistema Cantareira. Não obstante os críticos de plantão, os quais corretos, mencionam a falta de planejamento, o fato é que precisaremos nos acostumar à nova situação.
Tive a experiência de passar as férias em uma pousada em meio à mata Atlântica. Como bicho da cidade, não esqueci o kit de sobrevivência: notebook, celular e tablet. Ao chegar, a surpresa de que não havia luz elétrica. Apesar da decepção inicial, exploramos aspectos esquecidos no dia a dia: contar histórias aos filhos, brincar de sombra à luz de velas, conversar deitado, tomar banho no rio, dormir com a janela aberta, acordar cedo.
No quarto ao lado havia outra família, a qual praguejava incessantemente sobre a novela perdida, a falta de ar condicionado, o lampião e as velas. As caras de poucos amigos e a falta de diálogo indicavam que mais uma noite ruim havia se passado. Duas famílias, duas experiências, um mesmo local. Comportamentos, atitudes, posturas e resultados diferentes. Como consultor, logo tracei um paralelo da situação com o mundo corporativo.
Ninguém duvida de que este será um ano difícil para as corporações, as quais precisarão acostumar-se com a escassez de clientes, pedidos, projetos, receitas e quiçá água e energia. De maneira análoga ao ocorrido na pousada, empresas e colaboradores poderão escolher diferentes abordagens para resolver os desafios que virão.
Larga que é meu: tal qual a família do quarto ao lado que brigava pela falta de opções, diretores, gerentes e vendedores lutarão pelos escassos projetos e clientes. O foco interno na resolução de conflitos gerará desgaste e ressentimento, sobrando até para a satisfação dos clientes e parceiros de canais, relegados a segundo plano na política do larga que é meu. Como já dizia o ditado: onde falta pão, sobra confusão.
A ideia foi minha: já teve a impressão que sua ideia brilhante foi tomada por colegas? Conforme Steven Johnson, conhecido como o Darwin da tecnologia, você provavelmente está errado. Segundo o autor, as ideias provêm da colisão de pontos de vistas diferentes, através de ambientes propícios. Motivo de confusão em épocas normais, podem aumentar em tempos conflituosos, fazendo com que os colaboradores prefiram calar-se.
Estou certo que conseguiu identificar alguns exemplos em sua empresa. Desconfiança, ressentimento e situações de conflito são comuns quando se está sob pressão, apontando-se culpados ao invés de encontrar soluções. Inovação e colaboração são impensáveis neste ambiente.
Talvez a saída esteja em criar um ambiente mais colaborativo e amistoso, no qual erros sejam aceitos e até incentivados, colocando-se o grupo em primeiro lugar. De volta às férias, não nego que fiquei feliz em voltar para casa, usufruindo os confortos proporcionados pela energia elétrica e água encanada. Como lição, além da analogia com as empresas, pude ensinar à minha filha o poder do ditado: tudo é precioso para aquele que foi privado de tudo. Algo que infelizmente a família ao lado não pôde aprender, nem desfrutou. E sua empresa, de que lado ficará?
Marcos Morita é mestre em administração de empresas e professor da FIA-USP e Universidade Mackenzie. Especialistas em estratégias empresariais, é palestrante e colunista. Há vinte anos atua como executivo em empresas multinacionais.