Penso nas possibilidades de sentir a distância. Elas são recusadas pela transposição do véu que impede a visão e o toque, mas mantém a presença ausente constante no horizonte de meus sentidos, há muito sentidos. Por que sinto o que não vejo e não toco como a presença contumaz dessa ausência que grita dentro de mim e explode na lágrima que meu corpo derrama sobre si e sobre o mundo. Turva visão molhada pela dor da falta de amparo, de abrigo, de acalanto e mesmo de recriminação e de castigo.
Se nessa hora opaca do dia sou pura suportação, pergunto-me sobre os veios tristes da terra partida pela perda da visão de toque de alguém precipitado no jardim do eras. Perdeu-se na ausência sensível de pertença eterna. Deixou de ser presente e manteve na ausência a lembrança fixada em cada espelho partido, por todos os lados para onde dirijo meu olhar. Partes do meu eu, neles refletidos, mostram a ausência em mim como um percurso lento, gradativo, contínuo e sem fim. Se os passos são largos ou estreitos, não contribuem para minha curvatura horizontal.
No colo da vida, deito num lamento progressivo que busca plenitude na posição de feto, clamante de uma resposta. Estou prenha de escuridão e lamento. Atravessa-me um raio inerte. Imperadora do sofrer, a ausência majestosa, gestada pela perda, clama a vida humana. A minha, com certeza, que pariu um ser de pura estranheza em uma carne retorcida pela dor da perda. Senti a distância e não gostei. Tentei fugir, relutei, mas ávida de mim, penetrou-me como um animal no cio. Dei a luz a um breu hiperbólico posto, agarrado, grudado em mim. Graduações da escuridão lentamente gestadas, com a frieza sempre alimentadas.
Perco-me na ausência presente e entrego-me à plenitude da dor. Feminina do sofrer, ela define a escuridão como promessa de infelicidade crescente pela perda desse ente. O distante mais presente, inquilino do meu ser crescente, estilhaça as possibilidades de uma visão e um tato presentes. Meu corpo derrama e dói nesse estado perene de saudade triste, sem tempo de suspensão. Essa maldade da existência, o tempo oculta quando começamos a viver. É ele que se esconde atrás da cortina da eternidade do instante, para revelar-se imponente como um futuro ausente a qualquer hora. De todos e de mim. Da vida que habita cada nó da árvore humana.
O tempo é o pai do fugaz, que ilude minha mortalidade na busca da perfeição. Perdemos as horas que andam sem parar e não chegam a nenhum lugar. Mas o tempo marca-nos de forma indelével com o seu constante passar. Leva-nos, de condição em condição, a um estado sem emoção. Por isso, quanto mais o tempo passa, mais tememos a passagem do tempo. Vemos o fim no tempo como um orvalho da noite que se descortina gradativamente no olhar. Magia cruel que dobra a lisura do corpo e nos mostra o sentido da vida atravessando o jardim do eras.
O seu poder temporal apaga-se com a luz que habitava cada nós. Pobre senhor, com seu poder avassalador, não percebeu sua existência e duração atravessadas pelos nós da vida humana. Julgava-se eterno a passar. Mas passava em nossas pulsações. Quando paramos de pulsar, não havia mais horas para passar. Foi-se o tempo em que tempo havia. É nossa condição humana, demasiado humana.
Vânia Dutra de Azeredo é professora da PUC-Campinas
Penso nas possibilidades de sentir a distância. Elas são recusadas pela transposição do véu que impede a visão e o toque, mas mantém a presença ausente constante no horizonte de meus sentidos, há muito sentidos. Por que sinto o que não vejo e não toco como a presença contumaz dessa ausência que grita dentro de mim e explode na lágrima que meu corpo derrama sobre si e sobre o mundo. Turva visão molhada pela dor da falta de amparo, de abrigo, de acalanto e mesmo de recriminação e de castigo.
Se nessa hora opaca do dia sou pura suportação, pergunto-me sobre os veios tristes da terra partida pela perda da visão de toque de alguém precipitado no jardim do eras. Perdeu-se na ausência sensível de pertença eterna. Deixou de ser presente e manteve na ausência a lembrança fixada em cada espelho partido, por todos os lados para onde dirijo meu olhar. Partes do meu eu, neles refletidos, mostram a ausência em mim como um percurso lento, gradativo, contínuo e sem fim. Se os passos são largos ou estreitos, não contribuem para minha curvatura horizontal.
No colo da vida, deito num lamento progressivo que busca plenitude na posição de feto, clamante de uma resposta. Estou prenha de escuridão e lamento. Atravessa-me um raio inerte. Imperadora do sofrer, a ausência majestosa, gestada pela perda, clama a vida humana. A minha, com certeza, que pariu um ser de pura estranheza em uma carne retorcida pela dor da perda. Senti a distância e não gostei. Tentei fugir, relutei, mas ávida de mim, penetrou-me como um animal no cio. Dei a luz a um breu hiperbólico posto, agarrado, grudado em mim. Graduações da escuridão lentamente gestadas, com a frieza sempre alimentadas.
Perco-me na ausência presente e entrego-me à plenitude da dor. Feminina do sofrer, ela define a escuridão como promessa de infelicidade crescente pela perda desse ente. O distante mais presente, inquilino do meu ser crescente, estilhaça as possibilidades de uma visão e um tato presentes. Meu corpo derrama e dói nesse estado perene de saudade triste, sem tempo de suspensão. Essa maldade da existência, o tempo oculta quando começamos a viver. É ele que se esconde atrás da cortina da eternidade do instante, para revelar-se imponente como um futuro ausente a qualquer hora. De todos e de mim. Da vida que habita cada nó da árvore humana.
O tempo é o pai do fugaz, que ilude minha mortalidade na busca da perfeição. Perdemos as horas que andam sem parar e não chegam a nenhum lugar. Mas o tempo marca-nos de forma indelével com o seu constante passar. Leva-nos, de condição em condição, a um estado sem emoção. Por isso, quanto mais o tempo passa, mais tememos a passagem do tempo. Vemos o fim no tempo como um orvalho da noite que se descortina gradativamente no olhar. Magia cruel que dobra a lisura do corpo e nos mostra o sentido da vida atravessando o jardim do eras. O seu poder temporal apaga-se com a luz que habitava cada nós. Pobre senhor, com seu poder avassalador, não percebeu sua existência e duração atravessadas pelos nós da vida humana. Julgava-se eterno a passar. Mas passava em nossas pulsações. Quando paramos de pulsar, não havia mais horas para passar. Foi-se o tempo em que tempo havia. É nossa condição humana, demasiado humana.
Vânia Dutra de Azeredo é professora da PUC-Campinas