Dois fatos me chamaram a atenção durante a semana neste mundo desvairado chamado Brasil. Por aqui, além das piadas prontas de que fala Zé Simão, há sempre uma surpresa na mira.
Pois não é que um reputado magistrado, juiz de Vara Federal do Rio de Janeiro, decidiu dar um rolê com uma das pérolas do ex-bilionário Eike Batista?
O doutor Flávio Roberto de Souza aboletou-se no banco da frente do Porsche Cayenne e foi deslizar por ruas e avenidas da Cidade Maravilhosa. Bem combinado. Afinal, um carro daqueles, que certamente sequer vou ver até o fim dos meus dias, não poderia ficar circulando por aí. Teria que ser na Cidade Maravilhosa.
Mas, havia uma pedra no caminho do Magistrado. Uma maldita câmera fotográfica ou um celular daqueles que só faltam falar sozinho pegou a autoridade em flagrante. Mas, vamos refletir.
Vai ver que o juiz apenas queria matar um desejo incontido de sentir-se na boléia daquela máquina maravilhosa. Talvez, em hipótese mais benevolente, estivesse apenas aferindo se o veículo sob sua guarda funcionava com todos seus dispositivos em perfeita ordem. Afinal, se era responsável pela guarda não poderia negligenciar.
O doutor Flávio foi afastado. Bem entendido: afastado dos processos que envolvem o ex-marido da modelo Luma de Oliveira. No mais, segue dando sentenças. E se eventualmente for afastado em definitivo, não precisará se inscrever no programa Bolsa Família, porque não perderá a remuneração que lhe cabe como magistrado, o que vai levar até o fim da vida.
Mas, a semana foi fértil. Brasília não poderia deixar de contribuir. E foi lá que patrióticos parlamentares assentados nas poltronas confortáveis da Câmara Federal resolveram se dar um presente: doravante, as excelentíssimas esposas (ou os excelentíssimos maridos) poderão voar por ai nas asas dos pássaros metálicos à nossa custa.
Sim. A partir de agora, pagaremos a passagem dos ou das cônjuges dos exmos. ou exmas. parlamentares. Tentei entender a causa dessa generosidade com o chapéu alheio. Entre tantas conjecturas, concluí o seguinte: suas excelências estão imbuídos das melhores intenções no sentido de valorizar e proteger os laços familiares. Estão dizendo à populaça: uni-vos pelos laços sagrados da família. “Conduzam-se (principalmente de avião) à nossa semelhança”, parece ter sido ouvido bradar por um dos intrépidos representantes populares defensores da inovação.
Folguei então. Acomodei o cotovelo no balcão do Bar do Gezo, pedi mais um gole de Ypióca e segui racionalizando.
Nutrimos muita má vontade prévia em relação aos nossos parlamentares. Não os compreendemos nas suas boas intenções. O mesmo tem sido o nosso sentimento em relação ao caso do juiz que resolveu sentir a emoção de por as nádegas no assento até então frequentado pelo ex-enricado traseiro de Eike.
Pura má vontade. Tudo continua às mil maravilhas pelo Brasil. O que fizeram deputados e o juiz ao contribuir para erodir ainda mais a reputação de nossas autoridades foi normal. Apenas normal, como dizia o inesquecível jornalista Tarso de Castro, em geral com as mãos atarracadas a um copo de uísque. Se minha estante estivesse suprida de semelhante iguaria, é a ela que eu me lançaria agora. Afinal, exceto o homem do filme, ninguém é de ferro.
Valter Abrucez é jornalista autodidata. Ocupa, atualmente, o cargo de Secretário de Comunicação Social na Prefeitura de Mogi Guaçu e escreve aos sábados em O POPULAR