Tenho, nos últimos tempos, me impressionado com a qualidade do debate de ideias no Brasil. Em verdade, da falta de qualidade, ou o que é pior, da ausência de um debate sério e fundamentado.
Não faz muito tempo, dois professores – Demétrio Magnoli e Luiz Felipe Pondé – foram impedidos de falar, de apresentar suas ideias, na Festa Literária Internacional de Cachoeira por um grupo de cerca de 30 indivíduos. Outro episódio que merece destaque foi o da jornalista Miriam Leitão que, em artigo publicado, fez referência a outros dois articulistas frequentes na mídia: Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino.
Nesta seara de personagens podemos sem problemas incluir nomes como Marilena Chauí, Olavo de Carvalho, Diogo Mainardi, entre tantos outros. Alguns estão à direita ou à esquerda do espectro político, podem ser liberais, conservadores ou mesmo reacionários. O que há em comum entre eles? Todos têm sido alvos das mais variadas formas de violências sejam simbólicas ou até mesmo físicas. Estamos diante de uma realidade empobrecedora do diálogo, da discussão de ideias, da argumentação pautada em fatos, enfim, de uma boa análise crítica.
Tem sido comum a agressividade. São agressivos os indivíduos conectados em rede e são agressivos os grupos que, presencialmente, querem impedir que o “outro” possa expor suas ideias. Esse comportamento de tolher a palavra do outro esteve presente no fascismo, no stalinismo e em outros “ismos”. Tal postura não tem nada de democrática, pelo contrário: ela solapa um dos alicerces da democracia, que é o princípio da pluralidade de pensamento e da liberdade de expressão. O que significa analisar criticamente? As palavras nos dão o caminho. Analisar é decompor em partes, separar, investigar. E criticar é colocar uma ideia em julgamento, examinar racionalmente, buscando afastar-se de preconceitos.
Assim, soaria pouco efetiva a expressão “crítica construtiva”. A crítica tem por ofício desconstruir, julgar, desagregar os argumentos contrários. A crítica desconstrói, mas não destrói. O diálogo, no bojo de uma crítica, é capaz de construir novas ideias, novas visões de mundo. Foi o filósofo Sócrates formulador de um método – o da ironia e da maiêutica – que lança luzes nesta escuridão intelectual.
Na ironia, o grego questionava o seu interlocutor até que o mesmo admitisse que o conhecimento que se imaginava portador não era tão completo quanto pensava. Após essa fase, havia a maiêutica, o parto de um novo saber, assentado no diálogo racional.
Ao criticar não devo ter em mente a destruição de um adversário (jamais, inimigo) e sim colocar suas ideias em debate, separando a ideia de seu formulador. Posso não concordar com muitos dos meus colegas cientistas sociais, mas continuo convivendo com eles da melhor forma possível. Discordo e, nem por isso, quero eliminá-los. Miriam Leitão, Marilena Chauí, Mainardi, Azevedo, Constantino, Olavo de Carvalho podem ser geniais? Sim, podem.
Como podem, ainda, independentes de sua posição política ou teórica, falar e escrever bobagens. Defendo com veemência que todos possam expressar suas ideias, livremente. Defendo que todos, não importa sua coloração partidária, possam ser criticados sem o recurso à ofensa pessoal, aos xingamentos ou ao embate físico.
Nossa sociedade tem curta história de relação com a democracia. Por vezes, o autoritarismo se apresenta com todas as suas garras, garras afiadas e que cortam à direita e à esquerda aqueles que pensam diferente ou os que ousam, simplesmente, pensar.
Rodrigo Augusto Prando é licenciado e bacharel em Ciências Sociais, mestre e doutor em sociologia pela Unesp. Professor e pesquisador do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.