Não podemos lembrar quem somos sem antes olhar para onde veio nossa mãe e a mãe dela. E não é para procurar culpados e nem muletas, é para trazer realidade à nossa fantasiosa imaginação de perfeição. Afirmo que fomos sendo construídas e, por mais que, em alguns momentos nossas raízes nos machuquem, foi através dela que chegamos aqui.
Isso tem estado muito em evidência na minha vida. Como já contei aqui, minha vó foi responsável pela minha educação até os 13 anos. Está num processo severo de demência, necessitando de acompanhamento constante. Dia desses estávamos juntas e, depois de andarmos por todos os cômodos da casa duas vezes para que pudesse reconhecê-los, decidiu que era hora de dormir. Perguntei o que precisava e soltou um “vou tomar água, fazer xixi e escovar os dentes”, exatamente como faço e como ensinei meus filhos a fazerem.
São tantas referências! Olhar para elas, aceitá-las, refutá-las e modificá-las é um exercício constante que grande parte das vezes exige demais, como se tivesse que garimpar o que é a Bárbara que existe diante dali.
Minha vó demonstrava cuidado através da comida na mesa, da casa limpa e roupas em dia. Como cresci com essa referência, para mim este era o importante, mesmo que, para isto, eu sacrificasse assistir um filme com as crianças, praticar exercício físico ou me dedicar à profissão. Tudo bem, se isso também não me trouxesse dor.
Depois de agir anos e anos por repetição é que comecei – porque ainda é um processo em desenvolvimento – a entender que eu gosto de cozinhar, mas não mais que uma vez ao dia. Sim, estar com eles é um dos meus maiores prazeres da vida, mas não é desamor querer passar uma tarde sozinha. Eu troco a máquina de lavar pelo tênis de corrida.
Já lutei com monstros ainda maiores que mudar atitudes, os do julgamento. Cidinha era implacável em resumir pessoas e situações como ruins, colocar tudo no mesmo balaio, sendo essa uma das coisas que mais me destempera na vida. Em ambos os casos, foi preciso enxergá-la, foi preciso compreender que não a amava menos por sentir diferente dela, para só depois ver através das minhas próprias lentes.
E é aí que acho importante olhar para trás. Dona Aparecida é a filha mais velha de seis irmãos. Nasceu no sítio, naquela fase em que os filhos eram uma espécie de “galinha caipira”, ficavam o dia inteiro soltos e só voltavam quando escurecia. Eles se criavam.
Talvez minha vó também fosse composta de outras alegrias, mas não conseguiu externar. Pode ser que seu pouco conhecimento de mundo não tenha dado base para identificá-los ou que tenha lhe faltado coragem para assumir que o amor não é diretamente relacionado à utilidade. Em relação à maldade, acho que esse foi o escudo que achou adequado para se proteger do mundo.