A Câmara Municipal de Mogi Mirim vive um período de provação. Os excessos do vereador Tiago César Costa (MDB) levaram a cidade ao noticiário nacional com acusações de racismo por parte do citado parlamentar. É que na quinta-feira, 14 de setembro, foi convocada por ele uma audiência pública para discutir a eventual retirada do pelourinho, um monumento instalado desde 1969 em frente ao prédio que atualmente sedia a Câmara Municipal.
O vereador defende que o obelisco remete aos locais públicos em que criminosos eram exibidos ou castigados. Em sua maioria, negros escravizados sofriam nestes espaços de tortura. A visão de Tiago, porém, foi contestada e cidadãos ligados a movimentos negros e até mesmo integrantes do Cedoch (Centro de Documentação em Historiografia da Linguística – Joaquim Firmino de Araújo Cunha) foram à audiência contestar a abordagem do parlamentar. O primeiro argumento é de que há um projeto de lei que tombou o prédio da Câmara e do Paço Municipal, bem como o pelourinho, fato que impediria a remoção do mesmo por questões históricas.
Também foi destacado que o pelourinho, instalado em 1969, foi um presente recebido pelo Município em decorrência dos 200 anos de sua emancipação político-administrativa, sem relação direta com os pelourinhos que, tristemente, foram usados por séculos para a exibição de castigos a corpos negros escravizados pelos poderosos de seu tempo.
O monumento foi escolhido à época pois mandava a tradição que, no ato de ereção de uma povoação, era levantado um pelourinho, marcando o termo assinado que levava à criação da localidade. O item, que remete ao período colonial, era importante dentro do contexto da cultura urbanística portuguesa. Seguindo as leis da época, porém, passou também a ser usado como espaço para a punição a quem infligisse a lei e como o Brasil foi construído a partir de um viés racista, colonial e escravocrata, quem mais sofreu com punições no período colonial foram exatamente os negros aqui escravizados.
Com este cenário posto, fato é que a discussão não chegou nem perto de um debate em alto nível. O estopim para o clima de fervor foi a montagem feita por Tiago Costa no próprio pelourinho. Ele amarrou sacos de lixo pretos na intenção de simbolizar pessoas negras e a atitude foi entendida como racista por inúmeros dos presentes.
Representantes da Associação Cultural Afro Guaçuana (Acag) foram os principais críticos do ato e exigiram a retirada do boneco, mas Tiago disse que não tirar e argumentou que queria provocar reflexão nas pessoas presentes na audiência. Durante a conversa, Tiago se manteve convicto de que não estava ofendendo os negros, o que era contestado pelos próprios negros que se sentiram ofendidos e foram ainda chamados de “radicais” pelo parlamentar.
Já no final, o advogado Paulo Menna Barreto chegou à audiência e afirmou. “Não posso me calar diante de um ato de racismo que foi praticado usando sacos de lixo para representar o povo preto”. Tiago, então, o interrompeu e encerrou a audiência, gerando uma nova discussão que terminou com Barreto dando voz de prisão ao vereador. “O senhor está preso em flagrante por um ato racista”, disse Barreto. A audiência já contava com grande aparato policial, convocado por Tiago, que disse se sentir exposto por um vídeo que ele nomeou como “vídeo fake news”. Tanto o vereador, quanto o advogado, foram ouvidos pelo delegado de plantão Rubens Fonseca Melo na Central de Polícia Judiciária de Mogi Guaçu (SP). Como a autoridade policial disse não ter havido dolo de racismo no caso, ambos foram liberados.
Em São Paulo
A situação ocorrida em Mogi Mirim ultrapassou os limites do município. Na terça-feira, 19, a Câmara Municipal de São Paulo (SP) cassou o mandato do vereador Camilo Cristófaro (Avante) por quebra de decoro parlamentar, após ele ter feito uma fala considerada racista durante uma sessão de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em maio do ano passado.
Esta foi a primeira vez na história que um vereador paulistano perdeu o mandato por racismo. Representantes de movimentos negros, presentes ao plenário, celebraram a cassação. Em um vídeo que circula na internet, durante a comemoração de parte destes integrantes, um dos presentes diz: “Agora vamos lá em Mogi Mirim cassar aquele vereador racista”. A fala faz alusão aos procedimentos abertos contra Tiago e que podem levar à perda do mandato do parlamentar.
Três pedidos para a cassação de Tiago Costa
Na sessão ordinária de segunda-feira, 18, era óbvio que o clima estaria ainda mais quente que o normal. A presença de profissionais da enfermagem e de representantes de movimentos ligados à reforma agrária (leia mais na página A4) levaram uma multidão ao plenário, assim como pessoas motivadas a repudiar os atos de Tiago Costa na audiência pública do dia 14.
Tanto é que a Academia Cultural Afro de Mogi Guaçu protocolou representação pedindo a cassação do parlamentar baseado no ato que eles entenderam como racista registrado na citada audiência. Se juntou a este procedimento o pedido do vereador Dirceu Paulino da Silva (Solidariedade) sob a justificativa da conduta de Tiago em sessões anteriores e de que o colega divulga falsas informações à população, além de supostos atos racistas contra o próprio presidente.
Para complicar a “tripleta” contra o medebista, houve ainda uma representação assinada pela ex-presidente da Câmara, Maria Helena Scudeler de Barros que, atualmente, é secretária de Relações Institucionais na Prefeitura, por conta do vazamento de áudios em denúncia feita por Tiago sobre uma suporta interferência do Executivo no Legislativo. As representações levaram a votações para a criação de comissões processantes e, mesmo sem unanimidade, as três foram aprovadas.
A primeira terá o vereador Marcos Paulo Cegatti (PSD) como presidente, com a Dra. Lúcia Tenório (Cidadania) como relatora e Ademir Souza Floretti Junior (Republicanos) como membro. A segunda, que partiu do pedido de Dirceu Paulino, será presidida por Geraldo Vicente Bertanha (União Brasil), com a relatoria de Sônia Módena (PSD) e Joelma Franco Cunha como membro. Já a comissão oriunda da representação de Maria Helena será formada por Mara Choquetta (PSB), presidente; Geraldo Bertanha (relator) e Joelma Cunha (membro).
Tiago também apresentou representação na mesma sessão, pedindo a investigação de parlamentares denunciados por ele no dia 14 de agosto, quanto a uma suposta interferência do Executivo na Cãmara. Somente Alexandre Cintra, Orivaldo Aparecido Magalhães, Joelma Franco da Cunha, Sônia Módena, Marcos Antonio Franco, Geraldo Bertanha e Cinoê Duzo ficaram fora do pedido, sendo que os demais serão processados por uma comissão que será presida por Cinoê Duzo (PSD), tendo Marcos Antonio Franco (PSDB) e Orivaldo Magalhães como membros. Vale lembrar que, desde 7 de agosto, uma representação de Joao Victor Gasparini (União Brasil) levou à criação de uma comissão processante contra Tiago Costa por suposta quebra de decoro parlamentar, sendo o caso avaliado pela Comissão de Ética da Câmara.
E agora?
A reportagem de O Popular MM procurou o diretor jurídico da Câmara, Fernando Márcio das Dores, para explicar como funciona, a partir de agora, os procedimentos quanto às comissões processantes instauradas.
Após publicação da designação dos membros da comissão, é enviada a respectiva denúncia ao seu presidente, que em até cinco dias iniciará os trabalhos do colegiado. As portarias das comissões que avaliam os casos contra Tiago foram publicadas no Jornal Oficial de 20 de setembro. O denunciado será notificado e terá até 10 dias para apresentar defesa prévia e escrita.
Após, a Comissão, em até cinco dias, emitirá parecer, opinando pelo arquivamento ou prosseguimento da denúncia. “Opinando pelo prosseguimento, passar-se-á para fase de instrução;
concluída a instrução, será aberta vista de todo processo ao denunciado, pelo prazo de cinco dias, para razões escritas”, frisou o procurador.
A comissão então emitirá parecer final, pela procedência ou improcedência da acusação, solicitando ao presidente da Câmara convocação para sessão de julgamento. Será afastado do cargo o denunciado que for declarado incurso nas infrações especificadas na denúncia, desde que declarada por 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara. E, se houver a cassação, um decreto legislativo será redigido, sendo a Justiça Eleitoral comunicada do resultado.
O presidente da Câmara, Dirceu Paulino, se manifestou sobre os procedimentos. “A minha posição como presidente é de esperar as comissões processantes fazerem o trabalho delas. O que posso dizer é que a Câmara vai respeitar o trabalho das comissões e que são elas que definem se vão a plenário os pedidos das representações. E, se decidirem por arquivar, depois de analisar os fatos e ouvir todos os envolvidos, eu como presidente, vou respeitar e, se for para plenário, também vou respeitar e vou apoiar a decisão da maioria dos vereadores”.
Tiago se defendeu das acusações no plenário da Câmara e também em suas redes sociais. Ele acusa quem se opõe a ele de “passar pano para racista” e insiste não ser racista e não ter cometido ato racista ao colocar sacos de lixo pretos para representar negros no pelourinho. Além disso, afirmou que, alinhado e com aval das esferas superiores do MDB, se colocou como um dos nomes da oposição para concorrer à Prefeitura de Mogi Mirim.
“Diante de todos os acontecimentos e tentativa do prefeito Paulo Silva de me tirar do jogo na urnas no ano que vêm no tapetão, usando mentiras e articulação criminosa, com MST e pessoas de outras cidades, bem como a sua bancada do amém 2.0, sou pré-candidato a prefeito pelo MDB de Mogi Mirim nas eleições de 2024. No grupo político me junto aos pré candidatos também Sônia Módena (PSD), Alexandre Bueno (PRO), Carlinhos Bernardi (Podemos) e Osvaldo Quaglio (PSDB)”.