Por Gaudêncio Torquato*
Foi um divisor de águas, ou ainda, o maior dique que se construiu para evitar a inundação da política com os destroços causados pelas ações sempre pensadas, nunca impensadas, do atabalhoado presidente Jair Bolsonaro. E esse dique contou com a destreza de construtor e carpinteiro, qualidades do ex-presidente Michel Temer. E por que este é considerado o último divisor de águas? Pelo nível de enchente provocada junto ao Poder Judiciário com repercussões de monta sobre as cúpulas congressuais.
Qualquer novo tsunami, se ocorrer, não apresenta escapatória: os juízes do Supremo se dariam por esgotados e conscientes de que nada se pode esperar daquele navio que dispara torpedos intermitentes. O termo impeachment ganharia fundamento e o desembarque das tropas aliadas do capitão do transatlântico seria um ato pensado sob o fluxo de ondas fortes que inundariam os dutos da opinião pública.
A Opinião Pública se origina de áreas de pensamento que se formam, sem articulação prévia, juntando-se em bolhas. Geralmente tais bolhas nascem no meio das classes médias, e costumam ter uma antena virada para os fatos. A área política, por mais que junte grupos de interesse comum – verbas, benefícios, espaços na administração – tem o dom de autopreservação. Não pula o abismo. E confere seus passos com o caminhar dos grupos de Opinião Pública.
Diz-se que Bolsonaro não mudaria por ter um foco para iluminar suas bases. Mas tais bases não chegam a 30%. E tendem a diminuir se alinharmos os fatores que poderão estreitar o tamanho dos contingentes: apagões de energia; continuidade da crise sanitária; pequena reação da economia, com o desemprego jogando alto; auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, sem estofo para agradar milhões de famílias.
Portanto, é de se prever um Bolsonaro mais contido, sob pena de que continue a agradar parcela de seu eleitorado, mas a desagradar os maiores conjuntos eleitorais. Os políticos agirão com um olho plantado no Planalto, outro na planície.
Todos os ministros estão vacinados contra novas mordidas do “cão raivoso”. Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso, por exemplo, se dariam ao exercício de, mais uma vez, entrarem numa espécie de pacto de não agressão?
Por todas essas razões, o país entra na era do divisor de águas. E qualquer pedra que Bolsonaro atirar em Chico baterá na cabeça de Francisco, a exibir a disposição dos juízes do STJ, TSE e STF de agirem como um corpo unitário. Os riscos estão postos. Por último, convém lembrar a índole autoritária do nosso mandatário-mor. Para ele, ou tudo ou nada. Mas os militares dariam endosso a um ato golpista? Bom lembrar que os vasos comunicantes fazem a sociedade respirar em conjunto, como um todo inseparável.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político