quinta-feira, novembro 21, 2024
INICIALOpiniãoArtigosUma ausência presente

Uma ausência presente

Você que tem um pai em seu lar e em sua vida, como exemplo, conselheiro, amigo, seja lá o que for, não perca a chance de, no dia que lhe é consagrado, fazer desta, a data de sua, dele, vida. Não importam as razões, a classe social, os desencontros eventuais, os conflitos passageiros. Isto, diante da vida, cruelmente transitória, pouco representa, se comparada à simbologia desta figura mor, quase sagrada, do pai de família.

Então, hoje – afinal não somos donos de nosso destino – diga o quanto ele é importante em sua formação, em sua trajetória de vida e o quanto você o ama. Mas compartilhe, olhando em seus olhos, o privilégio de estar com ele, neste momento.

Depois de um ano, volto ao lugar onde me fiz gente num minúsculo vilarejo do grande estado do Paraná, pela primeira vez, desde que meu pai partiu. Tive, inicialmente, a sensação de um enorme vazio, angústia, quase medo de me defrontar com este inédito quadro. Meu pai não estaria mais ali naquela casinha branca da beira de estrada. Curiosamente, ao chegar, toda esta carga emotiva passou, minha alma aquietou-se e uma paz nunca dantes sentida silenciou meu espírito.

…De repente, o vi passar na estrada montado em seu cavalo alazão marchador, esbelto, ereto em sua sela, com as roupas muito limpas, de chapéu, botas e esporas, em marcha característica, a mesma que se ouvia, de longe, quando ele chegava. Pedi sua bênção, ele acenou positivamente e desapareceu na curva. Por segundos, ainda se ouvia o bater ritmado dos cascos do equino no asfalto que também chegou lá no interior.

…Tarde quente e tropical com uma agradável brisa balouçando as folhas. Sentei-me no velho banco, debaixo de uma sibipiruna florida e ei-lo, meu pai, ao meu lado, contando velhas histórias, me ensinando como superar as barreiras de vida, me estimulando a ter esperança e jamais desanimar. Curiosamente, não se preocupou em me ensinar como angariar bens materiais, como conquistar a mulher mais bonita, ou como adquirir uma fazenda.

Mas suplicou-me, ser honesto, aceitar meus semelhantes em sua diversidade e eliminar qualquer sombra de inveja, ódio, mágoa que isto apenas sobrecarregaria meus passos e tornaria mais pesada minha jornada.

…Havia uns amigos que lá deixei e sempre aparecem quando eu volto a estes pagos, tocando viola, cantando músicas lá do interior – caipira mesmo – e percebo meu velho pai ali, cantando junto, fazendo, ora a segunda, ora a primeira voz, com um timbre vocal inimitável, harmonioso e afinadíssimo. Quando disseram que ele tinha uma bela voz, ele fez um gesto para dizer que era gentileza deles e continuou cantando, cantando, cantando…

…E depois, sentou-se à mesa tomou meio copo de vinho tinto, saboreou uma fatia de polenta com galinha caipira. Conversou com todos. Estranhamente, ninguém estranhou… Era como se uma espécie de torpor se houvesse apossado de todos ali, algo surreal mesmo… Falou-se do preço da arrouba do boi, da queda do café, do sacrifício dos agricultores, dos políticos corruptos que “nada fazem pelo povo da roça”, do papa no Brasil, “um santo homem, que simpatia!” “Nem parece argentino”, alguém falou e todos riram da brincadeira meio sem graça, pelo menos para los hermanos! Um pudim de leite condensado (que delícia!) e para rebater, uma xícara de café com leite quente e um pedaço de cuscuz doce.

…Era uma noite de lua crescente, de céu azul e um festival de estrelas. Ouviam-se os cricris dos grilos e os sapos coaxando no banhado. Vez por outra, o canto de um quero-quero, de uma coruja solitária e da marrequinha do brejo quebrava o silêncio. Adormeci ao sabor do bucolismo destas cantigas.

…Então, um rodamoinho engalfinhou-se pelo meu quarto. Repentinamente, fez-se um silêncio sepulcral. Senti – este é o termo – senti a presença dele meu lado e soltei um grito: Pai!… Com os olhos abertos, atônito, mas não amedrontado, fiquei revendo na minha mente estes últimos quadros. E lembrei-me que ele se foi num domingo de agosto, Dia dos Pais… Ele está em toda parte. Em minha vida.

Requiescat in pace!

Luno Volpato é membro da Academia Campinense de Letras e Instituto Histórico e Genealógico, mestre em Língua Portuguesa e Presidente do Centro de Poesia de Arte de Campinas. (CPAC)

RELATED ARTICLES
- Advertisment -

Most Popular

Recent Comments