Paulo Magnus*
Um ano após o início oficial da pandemia de Covid-19 no Brasil, em março de 2020, estamos vivenciando o pior momento de uma crise sanitária sem precedentes. Nesses pouco mais de 365 dias, porém, pouco foi feito para resolver a questão do subfinanciamento do SUS para os leitos de UTI. Afinal, como manter aberto um leito de UTI, cuja diária custa entre R$ 2.000 e R$ 4.000, a depender da complexidade, com a remuneração da tabela do SUS a R$ 478 na maioria dos casos e, no máximo, R$ 800 nas redes prioritárias?
É quase impossível garantir disponibilidade de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos de enfermagem, alimentação, medicação, insumos, tudo em esquema 24/7 e em internações que, na média, duram pelo menos cinco dias para qualquer doença de baixa complexidade. Imagine a complexidade de ajustar esses processos no tratamento da Covid-19, que, nesta fase que vivenciamos agora, registra internações com duração média de 22 dias.
O próprio Ministério da Saúde reconheceu, em março de 2020, que os R$ 478 que repassa para financiar os leitos de UTI são insuficientes. Tanto que elevou o repasse para R$ 800 (portaria n° 561/20) e, depois, para os atuais R$ 1.600 (portaria n° 568/20) – mas somente para os casos de pacientes com Covid-19.
Mas, cedo ou tarde, a pandemia vai arrefecer. Só que há doenças tão ou mais preocupantes – como câncer, problemas cardiológicos, AVC – se desenvolvendo agora mesmo em muitos brasileiros, especialmente aqueles que deixaram de buscar assistência por medo de contrair a Covid-19 ou, ainda, porque os atendimentos foram interrompidos para focar os recursos e esforços na pandemia.
Sem o financiamento adequado dos leitos de UTI, os hospitais filantrópicos, mais endividados do que nunca após um ano enfrentando a Covid-19, estão fadados ao colapso. O último censo feito pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira, a Amib, ainda no pré-pandemia, apontava que, dos 25 mil leitos SUS disponíveis no Brasil, metade está em instituições filantrópicas. Eles são, portanto, as grandes responsáveis por atender quase 75% da população brasileira. Se eles acabarem, o que será da população?
Para mudar essa realidade, temos que repensar o que queremos de assistência e qual a responsabilidade da União nesse processo. Precisamos usar a crise da Covid-19 para planejar a assistência nos próximos anos, a começar por uma remuneração mínima e sustentável para os hospitais filantrópicos, responsáveis por quase 50% das internações do SUS. E é o mínimo que nós, lideranças da saúde, podemos defender em um momento em que vemos pessoas sufocando até a morte no jornal das 20h.
*Autor é empreendedor da área da Saúde.