Na semana passada comentamos os protestos que se fizeram na França contra a legalização do casamento gay. Naquela oportunidade prometemos retomar o tema sob um enfoque jurídico.
A tentativa de “legalizar” o casamento gay, ao menos da forma que vem sendo tratada, poderá ter a consequência, num futuro bem próximo, de desagradar a “gregos e troianos”. E o motivo está em que se pretende tratar como iguais, ou ao menos semelhantes, situações essencialmente diferentes.
Reafirmamos nossa posição de que a única união verdadeiramente conjugal é a formada entre um homem e uma mulher que assumem um compromisso público e perene de formar uma família. Não obstante isso, parcela considerável da população reclama por uma regulamentação das uniões homossexuais. E o nosso Estado tem como pressuposto fundamental o pluralismo (artigo 1º, inciso V da Constituição Federal). Diante disso, penso que o legislador deveria regular cada situação como verdadeiramente é.
A união conjugal entre um homem e uma mulher, em muitos aspectos, ou melhor, na sua essência, tem características e efeitos muito peculiares, que não se aplicam a um relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Um exemplo disso são os filhos que nascem naturalmente desse relacionamento.
Atendo a essa realidade, o nosso Código Civil (art. 1.597) fez presumir serem filhos do esposo aqueles concebidos na constância do casamento. Pois bem, mas e se o “casamento” for entre duas mulheres e uma delas conceber? Presumir-se-á que o “pai” será a companheira dela?
Por outro lado, outros aspectos do casamento poderiam mesmo se aplicar à união homossexual. Por exemplo, o regime de bens e a sua partilha após a dissolução. Por isso, penso que a questão haveria de ser tratada pelo legislador, e não pelo Judiciário, a quem não cabe legislar, e que sejam dados os contornos que cada situação merece.
Ou seja, o casamento sendo regulado como uma união entre um homem e uma mulher com o propósito de constituir uma família; e as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, por seu turno, com os efeitos, direitos e obrigações que esse relacionamento enseja.
E isso não é discriminação ilícita ou injusta, ainda que seja, evidentemente, uma discriminação. Discriminar, na verdade, é tratar de modo diverso coisas que são na sua essência diferentes. Por exemplo, pagar um adicional de insalubridade a um lixeiro e não pagá-lo a um funcionário que trabalha no escritório da mesma empresa é uma discriminação? Sim, pois um tem direito e outro não. Mas é uma discriminação ilícita ou injusta? Claro que não. Um recebe o adicional porque trabalha em condições insalubres e o outro não porque não está nessa situação.
E já temos notado os efeitos nefastos que aquela artificial equiparação tem causado. Por exemplo, o registro e a certidão de nascimento não contam mais com as expressões “pai” e “mãe”, substituídos por um espaço genérico intitulado “filiação”, onde cabem dois, três ou mais nomes, dependendo da fonte da letra e da criatividade de quem o preencher.
Também os avós são lançados num espaço maior sem qualquer menção à paternidade e maternidade. Até os colégios já adotaram a ideia. Temerosos de ser tachados de discriminatórios, não mais comemoram o dia das mães nem o dia dos pais. Isso sim é injusta discriminação: obstar que muitas mães e pais sejam tratados como tais apenas porque em alguns lares há dois homens ou duas mulheres dividindo o mesmo papel.
Penso que os protestos na França não são essencialmente contra nada nem contra ninguém. Simplesmente reclamam o direito de a família e o matrimônio continuarem a ser tratados com o respeito e a dignidade que merecem. E é possível regulamentar a união civil entre pessoas do mesmo sexo sem mutilar essas instituições que há muito são o sustentáculo da nossa sociedade.
Fábio Henrique Prado de Toledo é Juiz de Direito em Campinas e Especialista em Matrimônio e Educação Familiar pela Universitat Internacional de Catalunya – UIC.
Contato: [email protected] ou http://fabiohptoledo.blogspot.com.br/