Vacinar crianças contra a Covid-19 ou não vacinar? No Brasil, país que é referência global em imunização, a dúvida chamaria a atenção simplesmente por existir. Mas em meio à disseminação de fake news e de uma comunicação confusa em nível federal a respeito do tema, o questionamento pode tomar as mentes de pais e cuidadores. No mês em que o país começou a imunizar crianças de 5 a 11 anos, trazemos dados locais e globais para explicar que a vacinação de crianças é necessária e recomendada.
Países como Alemanha, Argentina, Canadá, Chile, França, Estados Unidos e Israel começaram a vacinar esta faixa etária antes do Brasil. No país de Joe Biden, por exemplo, mais de 8,7 milhões de doses já foram aplicadas nessa faixa etária e nenhuma morte foi registrada desde o início da campanha, em 3 de novembro. Resultados da FDA sugerem que a vacina pediátrica tem cerca de 91% de eficácia na prevenção da Covid-19.
E é quando a morte entra em pauta que a narrativa anti-vacina se esvazia. No Brasil, mais de 1.400 crianças morreram em decorrência do novo coronavírus. Nas últimas semanas, porém, o próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, embarcou no mar das fake news.
Em entrevista a um programa da rádio Jovem Pan, o médico mentiu ao falar que cerca de 4.000 mil mortes, no Brasil, estão relacionadas à vacina contra a Covid-19. Horas mais tarde, inclusive já com a informação do próprio Ministério da Saúde de que uma morte no Brasil teria relação causal com as vacinas, Queiroga voltou atrás e disse que “errou”.
Processo
A autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para o uso da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos foi anunciada em 16 de dezembro. Em Mogi Mirim as primeiras doses foram aplicadas na terça-feira, 18, em crianças com comorbidades, deficiência ou indígenas.
Para a avaliação da ampliação da faixa etária dessa vacina, a Agência contou com a consulta e o acompanhamento de um grupo de especialistas em pediatria e imunologia. Porém, a insistência do governo para que a vacinação de crianças fosse feita somente com receita médica causou atraso.
O processo para aprovação de vacinas no Brasil é bastante criterioso e segue uma série de etapas elaboradas pela Anvisa. Este é o órgão nacional responsável, pela aprovação de todas as vacinas aplicadas no país. Até chegar ao braço das pessoas, um imunizante passa por algumas etapas: a primeira compreende estudos não clínicos (ou seja, realizados em animais de experimentação) e tem como objetivo investigar a ação e a segurança da molécula em laboratório.
Nessa fase, a vacina passa por ensaios que auxiliam os pesquisadores a verificar a dose adequada a ser administrada e a conhecer o mecanismo de ação do produto, bem como determinar sua segurança e imunogenicidade, antes de passar aos testes em humanos. Depois de cumprir as etapas da fase não clínica com sucesso, a empresa que está desenvolvendo o imunizante submete à Anvisa o pedido para realizar estudos clínicos (ou seja, em voluntários) em três fases, para avaliar e determinar a segurança e a eficácia do uso da vacina em humanos.
Essa submissão do pedido é feita por meio de um documento chamado Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamentos (DDCM). É esse conjunto de informações que traz, em detalhes, tudo sobre o estudo e sobre a vacina a ser desenvolvida. Se tudo estiver dentro dos padrões da agência, o estudo segue com os voluntários.
Por fim, a empresa do setor farmacêutico tem que enviar uma série de documentos à Anvisa, que constam na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 55/2010. Nele, a empresa tem de explicar, por exemplo, a justificativa para o registro, o plano de farmacovigilância e as informações gerais sobre o produto. A empresa ainda deve entregar um relatório com dados sobre as matérias-primas utilizadas na vacina, como a descrição das cepas, sua origem, identificação, processos de obtenção ou construção, entre diversos outros dados.
Além dos dados de pesquisa clínica, a empresa responsável pelo produto também tem de garantir pesquisas pós-comercialização, como forma de monitoramento de reações adversas não detectadas em estudos anteriores. No Brasil, esses efeitos também serão monitorados pela Anvisa em conjunto com o Ministério da Saúde por meio da plataforma e-SUS Notifica.
Base em estudo
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) afirma que existem justificativas éticas, epidemiológicas, sanitárias e de saúde pública para a vacinação de crianças no país, com base em um estudo publicado no dia 28 de dezembro, em que analisa a necessidade de imunização do público infantil. Em um comunicado emitido no dia 3 de janeiro, o Departamento Científico de Infectologia e Imunizações da SBP afirmou que está convencido de que a vacinação desse público é, sim, uma prioridade.
“A menor gravidade da Covid-19 em crianças quando comparada com adultos fez com que, infelizmente, houvesse uma subestimação da sua real carga neste grupo etário. Os estudos com a vacina de RNAm da Pfizer demonstraram que a doença e suas complicações são passíveis de prevenção, inclusive em adolescentes e crianças. Aumentar o universo de vacinados oferece além da proteção direta da vacina, possibilidade de redução das taxas de transmissão do vírus e das oportunidades de surgimento de variantes”, afirmou a Sociedade, em nota.
Dias depois, a associação divulgou uma nota de repúdio, intitulada “O Brasil deve temer a doença, nunca o remédio”. A instituição reiterou que a população não deve temer a vacina, mas, sim, a doença que ela busca prevenir, bem como suas complicações, como a Covid longa e a Síndrome Inflamatória Multissistêmica, manifestações que consolidam a necessidade da imunização do público infantil. E destaca.
“A vacina previne a morte, a dor, sofrimento, emergências e internação em todas as faixas etárias. Negar este benefício às crianças sem evidências científicas sólidas, bem como desestimular a adesão dos pais e dos responsáveis à imunização dos seus filhos, é um ato lamentável e irresponsável, que, infelizmente, pode custar vidas”. (Com informações da Exame)
A diferença entre a vacina pediátrica da Covid-19 em relação à de adultos
Para começar, um exemplo. A vacina contra a Covid-19 da Pfizer para crianças tem dosagem e composição diferentes daquela utilizada para os maiores de 12 anos. As duas doses tem 0,2 mL cada (equivalente a 10 microgramas). A Anvisa recomendou um intervalo de pelo menos 21 dias entre as doses, mas o ministério definiu uma espera de oito semanas.
A vacinação desse público está sendo feita em ordem decrescente de idade e começou pelas crianças com comorbidade ou deficiência permanente. O imunizante tem uma tampa laranja para facilitar a diferenciação entre as vacinas de crianças e adultos. E os efeitos colaterais?
Como acontece com qualquer vacina, esta é uma situação comum. Dor no lugar da aplicação; fadiga; dor de cabeça; dor muscular; febre e náusea estão entre as possibilidades. É comum que os efeitos colaterais apareçam até três dias após a vacinação. Caso persistam, um médico deve ser consultado. De acordo com a organização sem fins lucrativos Mayo Clinic, mais crianças relataram esses sintomas, exceto dor no local da injeção, após a segunda dose da vacina.
CRÉDITO DA FOTO: NELSON ALMEIDA/AFP