Apesar de parte da sociedade se opor, revelando um senso crítico razoável, ainda que discutível. Apesar das deficiências sociais e econômicas que envergonham e deprimem o país, exibidas diariamente em saúde, educação, segurança e transporte. Apesar da demanda por investimentos para reduzir as mazelas que oprimem os brasileiros, o que reclama prioridade. Apesar do diminuto número de pessoas que serão beneficiadas antes, durante e depois do evento, o que inclui empreiteiras, empresas de comunicação, hotéis e taxistas, vendedores de camisetas falsificadas, cachorro-quente, bebidas e similares, e a geração de alguns subempregos temporários.
Apesar das evidências de que haverá dificuldades para ofertar ao público conforto mínimo no deslocamento e para garantir a segurança necessária. Apesar de o país estar sendo obrigado a flexibilizar vergonhosamente sua soberania política, tendo o Senado da República apresentado projeto de lei que restringe o direito de greve (um direito fundamental).
Apesar de nenhuma Cidade ter recebido qualquer investimento em infraestrutura útil ao seu desenvolvimento socioeconômico e que possa ser aproveitada após a Copa, uma vez que apenas os estádios receberam atenção no imperfeitamente cumprido cronograma de obras. Apesar dos riscos e inconvenientes, vai ter Copa.
E isso porque o brasileiro, povo de espírito levíssimo, tem vocação para a catarse pelas coisas mais simples. E isso porque o futebol ganhou ares de religião num país em que a educação e a cultura apostam no ócio distrativo, inclusive por meio de atividades esportivas, promovendo verdadeiros cultos aos clubes, característica cultural pouco virtuosa, mas de grande serventia neste momento. E isso porque nossos Administradores não possuem vocação para tratar com seriedade os verdadeiros problemas nacionais, que avançam no tempo sem solução à vista.
E isso porque nossa classe política está eticamente adormecida e valoriza mais os esforços para a realização de um espetáculo de duvidoso mérito e pouco relevante para uma nação subdesenvolvida do que aqueles voltados para a correção dos desvios ético-políticos que deixam os serviços públicos em níveis incompatíveis com nossas necessidades e riquezas.
E isso porque o poder econômico – que, compreensivelmente, tem compromisso prioritário com o retorno sobre o seu investimento – cooptou os atores políticos e os faz administrar e legislar em prol de seus interesses, quase sempre divergentes dos interesses democráticos.
Vai ter Copa, sim. E isso porque o país que temos não é fruto do acaso, mas resultado de um projeto de poder que solapa a educação crítica, destrói a ética e joga pra escanteio o compromisso com os interesses relevantes da sociedade. Vai ter Copa, porque seus resultados, em campo e fora dele, importam para o jogo eleitoral de 2014.
Caleb Salomão é professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Vitória (FDV)