Lá pelos meus tenros 10 anos, seria impensável sair tresloucado de uma loja carregando uma ‘televisão’ nos ombros. Ou mesmo um liquidificador, coisa bem mais modesta e mais útil para o dia a dia do lar.
Nem tinha essa possibilidade, nem tinha essa disponibilidade nas lojas. Os tempos (é possível haver mais de um tempo?) se encarregam de promove mudanças que, se alguém se atrevesse a prevê-las fossem lá por aquelas épocas, certamente seria levado ao manicômio mais próximo.
Não me recordo, por exemplo, de ouvir falar em liquidação. Ela veio se incorporar mais tarde ao comércio, sugerindo reduções de preços que, não poucas vezes, não passam mesmo de enganação.
Petreamente inserida no contexto (ô frase bonita esta, viu), a liquidação introduziu a insanidade entre os consumidores. Sobretudo estas de fim/início de ano, quando a população é convocada a dar plantão na porta das lojas desde o dia anterior para garantir a chance de sair levando nas costas o objeto de consumo desejado.
As cenas falam por si. As fotos são mais do que meramente ilustrativas das imagens captadas. São certidões de loucura. Homens e mulheres agarrados freneticamente a três, quatro, cinco objetos empilhados uns sobre os outros. São, como por assim dizer, os troféus conquistados, a justificar as horas varadas durante a noite na soleira dos magazines.
Bom. Há algum mal, há algo condenável nisso? Com certeza, não. Com certeza muitas, senão todas aquelas ávidas pessoas pouparam suadamente alguns cobres exatamente para a realização de acalentados sonhos a preços mais módicos. É da natureza das pessoas. Espanta-me, porém, a sofreguidão com que essa horda do bem se lança à busca da conquista tão caramente cultivada.
Pode ser que isto derive da concorrência, uma vez que são milhares na corrida por um estoque que certamente é incapaz de atender a todos. É uma explicação. Não acho que seja só e nem mesmo que, de fato, esta seja a verdadeira explicação.
Para meus padrões de hábitos e costumes, traçados a partir lá da década de 1950, me parece mesmo é que as pessoas vêm adquirindo, aceleradamente, uma ânsia de ter, possuir. Arrisco-me a pensar que seja um sentimento materialista que avança e corrói valores que não sejam os que podem ser medidos, vistos, palpáveis, passíveis de ser tocados pelas mãos.
Em outras palavras, nem sempre este ou aquele bem é necessário para o cotidiano da vida. Mas, é preciso ter para atender ao espírito da posse, da propriedade. Ao invés da TV de 30 polegadas, a de 40 ou mais – se é que existem essas medidas, do que sou peagademente ignorante.
Mas, e também o que há de ilícito se as pessoas resolvem usar seu dinheiro para um fim não necessariamente útil, mas para dizer para o objeto, de repente: “voce é meu”. Como cada um tem seus problemas (os meus nem a mim confesso…), cada um também pode ter seus prazeres, seus desejos, suas ilusões, mesmo que realizá-los custe madrugadas em claro, e até sob chuva, numa calçada qualquer.
A mim já não é coisa que encante. Não faço poupança por falta de hábito e de margem nos esquálidos números que vão mensalmente à conta bancária. E prefiro dedicar minhas madrugadas aos prazeres da ebriedade. Mas, moderada, ao menos até que os sentidos se afastem em busca de outro corpo.
Valter Abrucez é jornalista autodidata. Ocupa, atualmente, o cargo de Secretário de Comunicação Social na Prefeitura de Mogi Guaçu e escreve aos sábados em O POPULAR