sexta-feira, novembro 22, 2024
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Velejando no mesmo barco

Não tem como pensar na educação dos nossos filhos sem passar pela nossa. Já falei aqui, em outros momentos, o quanto a diferença é gritante, embora a quantidade de anos não seja assim tão grande. Se hoje a criança é o centro das casas, antes ela era um ser a parte. Pelo menos pelo que percebo no meu convívio, a rotina da família leva em conta as necessidades dos filhos, a vida é planejada observando o compromisso de todos.

Claro que vejo muitos excessos. Já presenciei um casal de amigos indo embora correndo porque alguém surgiu com uma batata frita e o filho de mais de dois anos não podia saber que existia. Também já tive um que não podia atender o portão em determinado horário porque era a hora de leitura da filha que não poderia ser interrompida.

Julgo como o extremo de lá. Fazendo uma analogia, é a geração cristal, enquanto a minha, no máximo chegava a um cimento cheio daquelas pedras pretas pontudas no meio. A criança fazia o que o adulto fazia, comia o que todos comiam, vestia o que tinha e brincava com o que davam.

Mas isso não era o pior, na verdade acho até bem prático e não fugi muito na criação da Gabi com o Neto. A diferença gritante, ao meu ver, acontecia em não sermos reconhecidos como parte. Criança só sabia que ia mudar de casa quando o caminhão já estava na porta. Se morresse alguém, se desse, mentiam que foi viajar e voltava um dia. Até hoje eu penso num cachorro que eu amava e quando cheguei da escola não estava mais lá. Sem falar em quantas vezes ouvi um “isso é conversa de adulto, não pode ficar aqui”.

Os pais viviam num patamar mais alto, era como se sempre tivéssemos que olhar para cima para acessá-los e isso teria que ser feito de forma cirúrgica. É claro que existe hierarquia e que adultos possuem visão infinitamente mais complexa sobre as coisas, além de arcar com as consequências das escolhas. Não é transferir ou dividir responsabilidade, é levar em conta.

Lá em casa nós tentamos equilibrar os dois lados. Primeiro pelo fato de tratar o filho como um ser humano completo e independente. Na prática, isso quer dizer que ouvimos o que eles pensam sobre as coisas, como as veem e também o que sentem em ralação a elas.

O segundo ponto é para que fique claro a eles que somos humanos tanto quanto, muito antes de sermos pai e mãe. O nosso indivíduo sente dor, frio, fome. Vestimos sim uma capa de super-heróis que nos levam muito, mais muito mais longe e, por algumas vezes, a lugares que não chegaríamos se não fosse pela responsabilidade de ser o gestor da vida alheia.

Não sei quantas vezes enfrentei uma gripe forte de pé no fogão, quantas vezes passei a noite em alerta depois de um dia de labuta, quantas vezes fui conivente com situações que não gostaria para não perder renda entre tantas outras coisas aqui. Mas também sempre chorei na frente deles quando a vida pesou no meu ombro, sempre assumi quando uma situação me deixa irritada, quando acho que alguém teve uma postura que me desrespeitou, independente de quem seja. Dividimos o mesmo barco.

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