Embora seja visto com preconceito por parcela significativa da população e como um sinal de alienação política e não exercício da cidadania pela falta de um posicionamento, o voto nulo ou branco é muitas vezes o inverso desta ideia, na medida em que é fruto de reflexão e ideologia de cidadãos com desejo de aprofundar discussões e modificar o sistema. Entre os adeptos do voto nulo, por exemplo, estão anarquistas, que defendem a ideologia de ausência de Estado e não concordam em escolher representantes responsáveis por dirigir o país.
Há ainda quem defenda a democracia direta e não representativa, em que os rumos do país tenham a participação de toda a população com votos. Outro motivo do voto nulo é a defesa de uma discussão mais aprofundada sobre um novo modelo político diferente da República.
O POPULAR entrevistou dois adeptos do voto nulo por ideologia: a garçonete Lucia Sobreiro, de 26 anos, defensora do anarco-capitalismo, e o operador de monitoramento Leonardo Missaglia, de 37, que defende a democracia direta e também é simpatizante da monarquia.
Missaglia optou pelo voto nulo na definição dos cinco cargos, pois não confia em representantes. O operador defende uma mudança em que seja extinta a democracia representativa. “Eu coloquei 00 e confirmei. Nas primeiras eleições, eu comecei a escolher uma pessoa. Mas depois, a gente percebe que essas pessoas não dão o resultado que a gente estava buscando. É uma ideologia minha agora, só anulo porque não confio em nenhum candidato. Eu sou a favor da democracia direta”, colocou, apontando a falta de compromisso com o plano de governo como um dos motivos para ser contra os representantes.
O regime de democracia direta foi notabilizado em Atenas, na Grécia antiga, onde as decisões eram tomadas diretamente pelos cidadãos reunidos em praça pública. No entanto, o regime não abrangia toda a população, pois escravos, estrangeiros e mulheres não podiam votar.
“Seria mais viável a população fazendo cada escolha, não tendo um representante. O Brasil precisa de mudança”, defende.
Atualmente, na Suíça, há uma espécie de democracia semi-direta, em que a população é chamada a votar, em média, quatro vezes por ano com o povo sendo consultado em referendos.
Por outro lado, Missaglia também vê a monarquia como opção melhor à república. “A Dinamarca é um dos melhores países para se viver na Europa e lá é monarquia. A Inglaterra, a Dinamarca, são países fortíssimos. A Inglaterra tem o melhor dinheiro, a libra esterlina”, salientou, entendendo que essas discussões deveriam ser mais aprofundadas.
Anarco-capitalismo
Lucia Sobreiro vota nulo por ser adepta do anarco-capitalismo, filosofia que prevê a ausência de Estado, mas a existência da propriedade privada, com livre mercado.
A ideologia de Lucia foi adotada depois de muito estudo. Nas últimas eleições, a garçonete escolheu representantes. “A primeira eleição, eu votei no PT, porque eu era petista, acreditava no discurso da esquerda. Aos poucos, eu fui estudando e conheci o anarco-capitalismo. Pros anarquistas, anarco-capitalistas e até os libertários, eles não acreditam no Estado, na democracia e nem no intermédio, aí eu comecei a votar nulo”, explicou.
Na visão de Lucia, a sociedade deveria discutir mais o sistema. “O sistema acaba oprimindo todo mundo, ele veda as pessoas. E aí só fica uma discussão de quem é do lado de qual e nunca vê que o problema é os dois lados, que as pessoas que estão nos representando são realmente o problema”, analisa.
Como os votos brancos e nulos acabam entrando em uma estatística geral, independente de ideologia, a garçonete entende que a urna eletrônica deveria contar com uma opção que abrangesse a defesa da ausência de representantes. “Deveria ter, mas o Estado não iria dar essa brecha. Deveria ter a opção ‘eu não concordo com a eleição’, não seria nem nulo, nem branco, um voto válido para as pessoas que abrangem esse tipo de visão”, argumenta.
Com uma visão a longo prazo, Lucia vê crescer o movimento anarco-capitalista. “Está crescendo aos poucos, antigamente ele era muito marginalizado. As pessoas viam os anarquistas e associavam com baderna. Está crescendo e acredito que se continuar tendo votos nulos, o Estado vai abrir uma possibilidade de entender que a população não concorda com aquilo”, observou.
Por outro lado, Lucia admite que até poderia votar em algum candidato caso percebesse nele um ideal de servir como instrumento de intermediação para extinção posterior do Estado. “Tem muito no movimento anarco-capitalista que acredita que dá para se combater o Estado por dentro, infiltrando pessoas do movimento para enfraquecer o Estado. Eu ainda estou estudando essa possibilidade”, revelou.
No momento, Lucia reconhece que o anarco-capitalismo seria uma utopia pela fragilidade da educação brasileira. “As pessoas não têm noção do quanto são importantes, a gente governa o Estado e não eles que nos governam”, raciocina.
Por este motivo, entende que atingir este regime por meio do voto poderia ser mais real, além de confiar nas criptomoedas como um instrumento poderoso dentro desta filosofia. “A gente tem que arranjar formas de derrubar esse Estado, acredito que criptomoedas ajudam, sim, mas talvez adentrar o Estado impulsionando pessoas que teriam aptidão e força de vontade para fazer isso, as pessoas estariam fazendo pelo nosso objetivo”, defende.
Estudos
Embora sejam defensores do nulo, Lucia e Missaglia estudam as alternativas para o país e teriam suas preferências caso fossem votar em candidatos. “Eu estudo, vejo pela Internet, televisão, assisto o programa político. Mas mesmo assim, voto nulo. Se eu fosse votar, eu votaria no Bolsonaro”, contou Missaglia.
Lucia avalia todos os candidatos, até os que têm ideologias mais distantes, e prefere os liberais na economia, mais próximos do ideal anarco-capitalista. Neste sentido, o melhor nome para presidir o país na visão de Lucia seria João Amoedo, pela visão liberal e mais próxima a um Estado mínimo em relação ao pensamento dos demais candidatos à presidência.