Inicialmente é preciso salientar que somos humanas e, muito antes de sermos mães, fomos filhas, netas, amiga, esposa, profissional. Importante pontuar para que fiquem claras duas coisas. A primeira delas é que não somos um saco vazio. Todas essas relações nos construíram de alguma forma, nos alegraram ou traumatizaram, fizeram com que nos sentíssemos queridas ou desprezadas.
Sendo assim, então, por mais que o amor seja incondicional, todas as nossas atitudes para com os filhos são carregadas de nós e, por isso, tantas situações “batem” neles de maneira tão diferente do que deveria.
Lá na minha casa, por exemplo, a Gabi é uma menina extremamente determinada, porém sensível e muito comunicativa. Do lado de cá, tem uma ogra, prática. Depois de vencido o desafio de ouvi-la com todos os detalhes que cabem na sua história sem desviar a atenção, preciso encontrar uma forma delicada de usar as palavras. Caso isso não aconteça, soa como desamor.
Depois de levar muito tempo para perceber tudo isso, hoje considero termos mais sucesso que fracasso. E essa é a segunda grande questão, a obrigação de estarmos atentos ao que é nosso e ao que é dos filhos e, ao identificarmos, a obrigação de nos curarmos.
Machucá-los será inevitável, por mais amor que exista. E nem é de todo mal porque as frustrações em casa são escola para que lidemos com as adversidades na rua. O ponto é empurrar um trauma para frente.
Até hoje ao ameaçar um temporal, meu inconsciente entra no modo pânico por treinamento. Na infância, minha avó fazia sentar longe de lâmpadas, de tomadas, com tudo desligado… esperávamos pelo fim do mundo cada vez que o céu acinzentava. Mas é que ela foi criada no sítio, numa época em que haviam grandes tragédias por choque elétrico com raios, por isso se defender fazia tanto sentido a ela.
Gabi e Neto nem percebem como está o tempo, não faz diferença. Veja, hoje a chance de alguém morrer com um temporal são mínimas. Então, por mais que meu cérebro instintivamente vá para o buraco do medo, eu o mostro que as condições são outras e que estou segura. Não passei o trauma adiante, mas transferi o ensinamento de que, ao menor sinal, devemos ficar longe de lugares descampados e sob árvores.
As nossas dores mais nos paralisam do que impulsionam e por isso é tão injusto que coloquemos o que é nosso na mochila dos filhos, que por si só, como seres independentes, terão os próprios. Um grande desafio, talvez mais um dos básicos, é compreender que, embora tenhamos um vínculo eterno, somos pessoas distintas que dividiremos a vida por instantes, que ainda que pensemos serem nossos por todas as entranhas de tramas desde a concepção, não os são.
E esse é o lado de lá. Essa independência por vezes vai nos bater, também vai nos machucar, também gerará feridas, algumas bem difíceis de serem cicatrizadas. E nessa hora somos salvas pela cartada maior, pelo “zap” das mães, característica abundante em nós, o amor, a pílula que junto com o tempo recoloca tudo no lugar.