O Mogi Mirim Esporte Clube completa na próxima segunda-feira, 18 de maio, exatos dois anos de sua última partida profissional. O cenário de caos em que a centenária agremiação entrou não está atrelado à crise econômica global ou uma série de infortúnios. Após décadas de evolução administrativa, o Sapo entrou em colapso financeiro a partir do ingresso de Rivaldo Ferreira na presidência, com um crescimento exponencial de suas dívidas, sobretudo, as contraídas com o próprio então presidente.
Um novo capítulo foi criado, porém, a partir de 2015, com o advento da “Era Luiz Henrique”. Com raros casos de cobranças judiciais por parte dos funcionários, o clube passou a registrar um “boom” sem precedentes de petições contra si no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15). Conforme pesquisa realizada pela reportagem de O POPULAR, 112 pessoas cobram dívida do clube na Justiça Trabalhista. São 62 processos no total. Dois deles contam com a mesma reclamante.
Já outro, o de numero 0010303-09.2016.5.15.0022, teve, além do autor da inicial, outros 76 casos juntados. Destes 76, um total de 52 processos nem têm mais o número original como referência na certidão. Foi deste citado processo, aliás, que saiu a petição para o mandado de penhora do Estádio Vail Chaves, apresentada pelos advogados do ex-zagueiro Bruno Costa.
A penhora foi determinada pela Justiça do Trabalho e a consta na matrícula do imóvel que é a principal casa do esporte mogimiriano desde a década de 1930. Enquanto o Vail Chaves se tornou alvo de novos pedidos de penhora, novas ações vão se acumulando no TRT-15.
No levantamento realizado por O POPULAR, há ações de ex-funcionários de diversas áreas do clube. De ex-treinadores a ex-auxiliares de cozinha. De ex-porteiros a ex-jogadores. A movimentação é intensa e quase a totalidade dos casos em andamento tiveram a entrada dada a partir de meados de 2015. Entre as 112 pessoas com processos em aberto contra o clube comandado por Oliveira até 2019, três pertencem a um círculo bem próximo do cartola.
Roberta Ediones Demasquio, Bruno de Oliveira Barreto e Adilson Alves Pinheiro impetraram ações contra a agremiação em 2019. A soma dos valores atribuídos às causas pelos reclamantes chegava ao total de R$ 2.596.687,80. Além de estarem praticamente desde o início da gestão de LHO, há ainda vínculos familiares e políticos.
Os casos
Os três casos tiveram um rito muito semelhante. Todos foram ajuizados em julho de 2019. O primeiro foi de Adilson Alves Pinheiro, que registrou na documentação que atuava como diretor de futebol e reclamou o valor de R$ 1.209.000,00. A data do sorteio da distribuição da ação foi 5 de julho de 2019. Já no dia 10 de julho de 2019 foi a vez de Bruno de Oliveira Barreto.
Indicado como motorista no clube, ele é filho de Rosane Lúcia de Araújo, irmã de Luiz Henrique de Oliveira e que consta para a Federação Paulista de Futebol (FPF), desde fevereiro de 2019, como presidente em exercício do clube. Vice-presidente eleita em 2017, ela assumiu tal posição após o irmão ser suspenso pela CBF, em 2018, por não pagar taxas obrigatórias durante a Série D do Brasileiro. Bruno reclamou R$ 379.327,87 ao definir o valor da sua causa.
Já Roberta Ediones Demasquio, que aparece como advogada do clube em inúmeros processos cíveis e trabalhistas, indicou a sua ação com o valor de R$ 1.008.360,00. Ela pontuou em sua documentação junto ao TRT-15 ter desempenhado a função de diretora jurídica do Mogi Mirim EC. Os três casos foram apreciados pelo juiz Maurício Bearzotti de Souza. Em todos, ele determinou a conversão do julgamento em diligência, inclusive, reduzindo os valores das ações, com a definição de R$ 1,1 milhão (Adilson), R$ 873 mil (Roberta) e R$ 290 mil (Bruno).
Nas sentenças publicadas pelo magistrado, aparecem argumentos usados na alegação inicial, com pedidos idênticos nos três casos. Todos alegavam o possível descumprimento de obrigações trabalhistas pelo ex-empregador, o Mogi Mirim EC, que foi o único réu dos processos. Pediam, pelo que consta nos autos, “em apertada síntese, anotação da CTPS, diferenças salariais, FGTS, férias mais 1/3, 13.º salário, multas dos arts. 467 e 477, § 8.º da CLT, honorários advocatícios e gratuidade de justiça”.
Adilson e Roberta alegaram relação de emprego com o MMEC de 4 de janeiro de 2016 a 16 de junho de 2016 e Bruno, de 4 de janeiro de 2016 a 3 de agosto de 2018. Nos três casos, as audiências relativas às ações trabalhistas foram realizadas no dia 5 de novembro de 2019, com a ausência do Mogi Mirim EC, que foi registrado, nos autos, como “notificado por oficial de justiça”. Foi, assim, aplicada a pena de revelia ao Sapão da Mogiana.
Mesmo com isso, o juiz Maurício Bearzotti de Souza ressaltou que não seria possível resolver o mérito mesmo com o decreto de revelia. “A ausência de contestação deve ser tratada com austeridade. Não pode servir de pretexto à formação de passivos excessivamente onerosos, vale dizer, que extrapolem os estritos e estreitos limites das obrigações inadimplidas”, manifestou o magistrado, de forma idêntica, nos autos dos três processos.
Decisões
O juiz analisou pedido por pedido, expondo as provas juntadas pelos reclamantes e indicando dificuldades para deferir as petições dos mesmos. No caso de Adilson, foram seis as situações citadas como “complicantes” para o deferimento. A primeira é que o reclamante inicia recebendo um valor e que a inicial não informa o momento em que ocorre a majoração salarial, existindo uma referência com valor menor que a apresentada.
Em segundo lugar, noticia-se o pagamento incompleto dos salários “o que vai ao encontro a um dos documentos anexados, mas se pede o valor integral, adotando-se como base de cálculo o dobro do valor inicial. Destaco, desde logo, que é manifestamente inverossímil a alegação de trabalho por 37 ou 42 meses sem qualquer salário – que não é verdadeira, quando menos, pelo documento da fl. 42”, observa o magistrado.
Publicou ainda outras razões. “Terceira, considerando-se o pagamento integral dos salários de janeiro a maio de 2016, não é compreensível a cobrança de valores referentes a 42 meses. Quarta, há menção a recibos salariais, não apresentados. Quinta, ora se afirma o afastamento da reclamada, ora a dispensa. Com dados conflitantes sobre a data de cessação contratual. Sexta, identifico erros evidentes de cálculo e a não dedução de valores que se reconhece pagos”.
Assim, em 9 de fevereiro deste ano, converteu o julgamento da ação impetrada por Adilson em diligência, completando o documento com exigências ao reclamante. O mesmo procedimento foi adotado com Roberta e Bruno, com a exposição dos motivos que causavam dificuldade para o deferimento e cobrando documentos mais sólidos para efetuar o mesmo.
Os casos constam nos autos com sentença proferida pelo magistrado, com assinatura eletrônica do mesmo, na terça-feira, 5 de maio de 2020. Enfim, as petições iniciais das três ações tiveram o mesmo destino.
O juiz indeferiu os citados casos, extinguindo os processos sem resolução do mérito. Concedeu aos três reclamantes a gratuidade de justiça e a isenção das custas, finalizando. “Com o trânsito em julgado, proceda-se ao arquivamento”.
Partido
Em 29 de outubro de 2019, pouco mais de três meses após as ações trabalhistas citadas acima serem ajuizadas contra o Mogi Mirim EC, dois dos reclamantes eram anunciados como membros da executiva do diretório municipal do PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro) em Mogi Mirim. Roberta e Adilson são, desde então, membros da executiva do partido presidido por Luiz Henrique na cidade.
Roberta é a secretária e Adilson é o vogal. Eles constavam com estas funções em outubro do ano passado, em exercício que foi concluído em 7 de abril. Porém, a formatação da executiva é a mesma na versão atualizada em 13 de abril e que estará ativa até 13 de outubro. Além disso, desde 3 de abril de 2020, Bruno Barreto aparece como filiado ao partido do tio. Vale salientar que o diretório local do PRTB em Mogi Mirim, que conta, inclusive, com CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), tem como endereço a Rua Professor Ferreira Lima, nº 150, no Centro. Exatamente o endereço do Mogi Mirim EC.
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