Duas decisões que transitam em esferas diferentes da Justiça causam temor a quem ama o Mogi Mirim Esporte Clube. A agremiação fundada em 1903 e reorganizada em 1932 é o patrimônio esportivo mais importante da história da cidade e um dos bens imateriais mais valiosos em mais de 250 anos de Mogi Mirim.
O Estádio Vail Chaves, palco construído com o suor, o sangue e o investimento de abnegados mogimirianos, seja de forma direta, ou através de impostos, já que, por décadas, a Prefeitura Municipal foi responsável por contribuir na ampliação e melhorias do local, é o alvo de uma sanha por pagamento de dívidas contraídas pela má gestão da atual diretoria, que assumiu o clube em 2015, ano que marca o declínio desportivo, administrativo e das propriedades do Sapão da Mogiana.
Diante deste cenário, um movimento tenta salvar o Estádio Vail Chaves, que em pouco tempo completará 90 (NOVENTA) anos de história, de ir a leilão. Um abaixo-assinado promovido em dois formatos (virtual e presencial) tenta angariar apoiadores suficientes para estimular os chamados “Três Poderes” – Judiciário, Legislativo e Executivo – a interceder para que o local siga, em um termo popular, “impenhorável”, o que, por consequência, evitaria um leilão e o fim de uma história de décadas que só chegou a este estágio devido a gestões temerárias, sobretudo, de mãos sem ligação alguma com Mogi Mirim.
O abaixo-assinado
Quem quiser assinar virtualmente em defesa do Estádio Vail Chaves e do Sapão, deve acessar o link. A petição é do grupo intitulado ‘O Mogi é Nosso’, que reúne associados, torcedores e apoiadores em geral do Alvirrubro mais famoso do Interior de São Paulo. Solicitam apoio dos deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), para aprovar o Projeto de Lei 338/2018, do Deputado Carlão Pignatari, como também do deputado Barros Munhoz, ambos do PSDB.
“A referida proposição legislativa visa reestabelecer a Lei Nº15, de 1947, para maior segurança jurídica e resguardar o patrimônio e os interesses do Clube, uma vez que a Lei foi indevidamente revogada (EM 2006), visando, ainda, a suspensão do leilão do estádio, já penhorado pelo Poder Judiciário”, explica Rogério Manera, criador da petição on-line.
Até o fechamento da edição impressa de 7 de abril, 420 assinaturas haviam sido obtidas através da plataforma digital. O teor do manifesto impresso é o mesmo e campanhas de recolhimento de assinaturas em áreas públicas de Mogi Mirim serão realizadas nas próximas semanas.
Decisões
São quase que incontáveis as ações que tramitam na Justiça desde que a atual diretoria assumiu o Mogi Mirim. O acúmulo de dívidas não tem precedente na história do Sapo e, após inúmeras tentativas frustradas, a gestão segue nas mãos dos dirigentes que assumiram o clube na Série B do Brasileiro e hoje entregam um clube sem divisão nacional e na elite do Paulistão e hoje prestes a estrear na última divisão de São Paulo.
A Justiça do Trabalho é uma das que mais recebem demandas relacionadas ao Sapo. Na ação 0010303-09.2016.5.15.0022, em que dezenas de credores do Mogi pedem o ressarcimento pelas dívidas contraídas já na atual gestão, a juíza do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-15), Patrícia Glugovskis Penna Martins, em uma de suas sentenças, foi taxativa. “Paralelamente, expeça-se novo mandado de registro de penhora do imóvel objeto da Transcrição 17.847 – (id 735ed88), consignando-se que o Oficial de Registro de Imóveis deverá cumpri-lo, ainda que se trate de doação condicional feita pela Fazenda Pública Estado, sob pena de desobediência à ordem judicial, uma que vez que a doação não foi resolvida e a Fazenda será intimada pelo Juízo, para os efeitos legais”.
Já a juíza Maria Raquel Campos Pinto Tilkian Neves, da 4ª Vara de Mogi Mirim é a responsável pelo processo 1011477-27.2019.8.26.0005, movido pela SegBras, empresa que processa o Mogi Mirim em mais de R$ 1 milhão e que teve duas de suas três personalidades jurídicas ligadas a Maria do Socorro Santos Oliveira, esposa do presidente do Mogi Mirim, Luiz Henrique de Oliveira.
Em uma de suas decisões, frisou. “No tocante ao imóvel de matrícula nº 104.972 do CRI de Mogi Mirim, em que pese a doação do bem ter sido feita ao executado sob encargo, é certo que não houve reversão de referida doação, a lei que a promulgou (Lei Estadual nº 15 de 1947) foi revogada pela Lei Estadual nº 12.497 de 2006 e o bem permanece sob a titularidade do executado”.
Com estes entre inúmeros casos em andamento, as chances de que o estádio do Mogi Mirim, erguido desde 1937, muito mais pelo povo de Mogi Mirim do que por sua condição de natureza privada, entre em processo de leilão são enormes. Só que, lá em 1947, quando a área foi doada ao MMEC, uma trava foi criada e esta é a esperança dos associados para evitar que a agremiação seja vítima de uma perda que pode levá-la à morte.
Restabelecer já
Não é uma história simples de explicar. A área do estádio foi doada ao Mogi Mirim Esporte Clube em meados da década de 1930 pela antiga empresa de Água Luz e Força de Mogi Mirim, através de esforço de um de seus principais diretores, Vail Chaves. Posteriormente, o terreno foi desapropriado pelo Estado, mas, por intermédio do próprio Vail Chaves e através da propositura do então deputado Décio Queiroz Telles, foi promulgada após assinatura do governador Adhemar de Barros, em 25 de novembro de 1947 a Lei nº 15 do referido ano.
Ela autorizou a Fazenda do Estado a doar ao Mogi Mirim Esporte Clube o terreno onde está atualmente. Porém, com um destaque. No Artigo 3º da Lei de 1947, diz que, “se for empregado em fim diverso a que foi destinado, o terreno doado reverterá ao patrimônio estadual, com as benfeitorias nele existentes, independentemente de qualquer indenização”. A escritura do imóvel foi lavrada em 1949, com a lei transcrita no corpo da escritura. Com tudo isso, não havia dúvida de que o estádio não poderia ser, por exemplo, vendido ou leiloado.
Em 2006, porém, com a aprovação da Lei nº 12.497, que revogou leis publicadas entre 1947 e 1952, incluindo a de doação da área do estádio ao Mogi, foi criada uma série de questionamentos a respeito do caso. O deputado Barros Munhoz apresentou o PL nº 441, em 2018, entendendo que, com a revogação, a doação perderia efeito e a área deveria voltar ao patrimônio do Estado. E, em entendimento com a gestão municipal anterior, o terreno seria doado ao município.
Também seguiu em tramitação outro projeto de lei, de autoria do deputado Carlão Pignatari, que pedia o restabelecimento da vigência da legislação de 1947. Anos depois ambos estão travados. Há uma parcela de torcedores que entende que o estádio deveria ser doado pelo Estado à Prefeitura, tirando, assim, “olhos urubuzentos” do patrimônio do clube, oferecendo ao Sapo a chance de se reerguer.
Porém, por mais que encontre pureza de boa fé tal intuito, há questões legais importantes no jogo. “O Estado não pode retomar o estádio sem que haja decisão do judiciário nesse sentido. Não basta a Alesp aprovar uma lei para doar o estádio à Prefeitura, sem o retorno ao Governo do Estado, através de decisão do Poder Judiciário. Hoje o estádio é do clube, conforme a escritura devidamente lavrada e registrada no Cartório do Registro de Imóvel. É um ato jurídico perfeito e acabado”, explica o advogado Hélcio Luiz Adorno, advogado, sócio e ex-vice-presidente do MMEC.
Em 2006, foram revogadas 1.701 leis, dentre elas, a de nº15 de 1947. “Com a revogação dessa lei, o judiciário está entendendo que as cláusulas restritivas foram revogadas. Por isso, e para segurança jurídica do patrimônio do MMEC, há a necessidade do restabelecimento da Lei (15/47) desde a data de revogação, em dezembro de 2006. Isso já ocorreu em 2015, com o restabelecimento da Lei que doou ao Conservatório Musical em Tatuí”, exemplificou Adorno.
Com o entendimento de que um movimento popular seja capaz de mobilizar a Alesp, os mogimirianos vêm trabalhando para colher o máximo de assinaturas. Quem também tem atuado nos bastidores é Vinicius Marchese, que foi candidato a deputado federal em 2022 e que possui trânsito na assembleia paulista.
Assim, várias frentes atuam pela tentativa de evitar que um patrimônio de quase 90 anos seja leiloado por conta de nove anos de gestões nada sustentáveis (como a de Rivaldo, com dívidas contraídas com o próprio presidente) ou temerárias (que não deram conta de honrar os compromissos assumidos. E, ao torcedor, neste momento, cabe uma tarefa nada complicada: basta assinar a petição e ser parte de uma das partidas mais importantes da história do Mogi. O jogo pela sobrevivência e pela reconstrução!
PGE estuda ação para retomar área para o Governo do Estado
Em paralelo à campanha, um grupo de associados do Mogi Mirim esteve na segunda-feira, 3, na Procuradoria Geral do Estado (PGE). A reunião foi intermediada pelo deputado estadual Barros Munhoz (PSDB), que participou do encontro.
Após as explanações, a PGE manifestou aos presentes que vai estudar uma ação para retomar o Estádio Vail Chaves. Em suas redes sociais, Munhoz se manifestou.
“Esse problema aflige a Prefeitura, os amantes do inesquecível Mogi Mirim Esporte Clube e os interessados que hoje dizem fazer parte da direção do clube, que nem quadro de associados tem reconhecido pela Justiça. Para buscar uma solução, o único caminho é o Estado retomar o patrimônio que a ele pertence”.
O parlamentar prosseguiu. “Essa doação foi feita com a condição do clube desenvolver atividades que há muito tempo não desenvolve. Visando a melhor alternativa, a PGE irá buscar retomar esse bem. No futuro, poderá ocorrer uma nova doação à prefeitura ou ao clube, caso ele solucione seus problemas atuais”.
Entendimento
Desta forma, a PGE pode pleitear judicialmente que a área em que está o estádio do Mogi Mirim volte a ser patrimônio do Estado, condição que existia antes da concessão oficializada em 1947. Novos encontros devem ocorrer, bem como o grupo de sócios deve ser atualizado quanto aos estudos da PGE.
Representaram o órgão estadual os procuradores Caio Guzzardi (procurador geral adjunto), André Nakamura e Joyce Saito. O deputado estadual Barros Munhoz esteve acompanhado de Raquel Rocha, advogada e assessora do parlamentar, bem como de Marco Antônio Beneton, procurador da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo). O prefeito de Mogi Mirim, Paulo Silva (PDT) e os sócios do Mogi Mirim EC, Hélcio Luiz Adorno e Rogerio Manera também participaram do encontra.